MILTON CORRÊA
Desastres naturais: Uma abordagem sobre as terras caídas
Por Milton José Rêgo Corrêa (Acadêmico do Curso de Pós Graduação em Jornalismo Cientifico – UFOPA)
O rio Amazonas, no verão, apresenta margens planas, constituídas de argila, que em alguns trechos produzem lamaçais, com uma vegetação rasteira, árvores exóticas, pássaros aquáticos mariscando, um espetáculo natural de rara beleza, o bucolismo se enfatiza aos olhos de quem admira a criação de Deus. Mas, de repente, às margens do mesmo rio, nos deparamos com o trágico. Barrancos se formam em alturas que amedrontam como se tivesse o local sofrido um bombardeio. Mas não é nada disso, tudo é resultado do fenômeno natural chamado Terras Caídas.
Fiz essa constatação nos dias 24 e 25 de setembro de 2011, quando fui e voltei, no barco Comandante Kaique, entre a localidade Ribeirinha de Aritapera (minha terra natal) e Santarém, passando pela comunidade de Fátima de Urucurituba, às margens do rio Amazonas, (local do município de Santarém onde se concentra o fenômeno das Terras Caídas), que tem feito desaparecer casas, escolas, gado, árvores frondosas e deixa as famílias que ali insistem em residir em clima de pânico, principalmente no período da vazante do rio, quando o fenômeno é mais freqüente.
Ribeirinhos das comunidades atingidas, dizem não ter precisão desde quando o fenômeno ocorre, mas lembram que os seus antepassados já comentavam sobre as terras caídas.
É o caso de Rosinaldo Moraes, pecuarista e morador da localidade de Aritapera, próxima a Fátima do Urucurituba. “Desde criança que ouço falar nas terras caídas, que derrubam enormes áreas de terras e fazem desaparecer árvores”, comenta. Acrescenta que em seu entendimento há várias formas de manifestação do fenômeno, quando destrói o terreno em grande extensão e quando invade uma área, formando uma “enseada”, uma entrada do rio, como se fosse um braço. “É tudo tão de repente, a destruição é inevitável, um barulho que amedronta, faz a gente pensar que tudo está se acabando”!
Em Santarém – Em Santarém, o fenômeno das Terras Caídas se dá principalmente em Fátima do Urucurituba, comunidade ribeirinha do rio Amazonas, localizada no interior do município. Dezenas de famílias que residem na comunidade, distante uma hora e meia de barco de Santarém, continuam sendo vítimas do fenômeno.
Informa a Secretaria Municipal de Segurança Cidadã que, das 71 famílias que moravam em Fátima do Urucurituba, hoje somente 20 insistem em continuar na localidade, alegando que não têm para onde ir. As outras 51 abandonaram a comunidade e moram hoje em outros locais, como em áreas de ocupação, na zona urbana de Santarém.
De acordo com a Agência Amazônia de Noticias, no mais recente episódio do fenômeno das Terras Caídas, em março de 2011, em Fátima de Urucurituba “A correnteza do rio varreu um trecho de cerca de 500 metros de extensão, de um total de 1,3 mil metros, destruiu dez casas e uma escola municipal. A destruição e o risco de mortes obrigaram a Defesa Civil de Santarém considerar a região como área de risco.
Luiz Alberto da Cruz, secretário Municipal de Segurança Cidadã e coordenador da Defesa Civil de Santarém, diz que esse é um fenômeno comum na região de várzea, mas sempre ocorre de forma moderada. Dessa vez aconteceu com mais força e a água engoliu uma grande faixa de terra. “Acreditamos que em pouco tempo, se essa tendência continuar, a água do Rio Amazonas vai cobrir toda comunidade”, observa.
Assoreando igarapés – “O fenômeno das terras caídas está assoreando alguns igarapés que deságuam no grande rio. É o caso do Igarapé da Praia, na Região do Tapará, interior do municipio de Santarém”. A afirmação é do vereador Evandro Cunha (PDT), feita em pronunciamento na Tribuna da Câmara de Santarém, no dia três de outubro de 2011. Segundo ele, com o fenômeno das terras caídas o terreno é removido de um lugar e acumulado em outro, “e assim está assoreando na boca de cima do Igarapé da Praia, causando transtornos, barcos já não estão conseguindo passar”, constata.
O vereador defende que na boca de cima do Igarapé da Praia, seja feito um trabalho de escavação, para que as bajaras, com motor de rabeta tenham acesso na época da vazante do rio Amazonas e possam ser utilizadas para escoar produtos agrícolas como a melancia, para ser comercializado no centro consumidor, que é a cidade de Santarém.
Outro problema ocorrido em Igarapé da Praia, com o assoreamento causado em conseqüência das terras caídas, é que a água deixa de circular “e se isso não a ocorre fica muito quente, impossibilitada para o uso doméstico e para a vida dos peixes.
Outro fluxo de água que sofre as consequência das terras caídas é o igarapé de acesso à localidade de Aritapera, que também está assoreando. Segundo moradores do lugar, isso vem ocorrendo depois que se intensificou o fenômeno na localidade próxima de Fátima de Urucurituba; depois do Igarapé de acesso ao Aritapera, os barcos para chegar à vila têm que passar por uma enseada, que também está sendo assoreada. É preciso pericia dos comandantes das embarcações, para não deixar que os barcos encalhem.
Comunidades que dependem desses igarapés de acesso ao Rio Amazonas como Aritapera e Igarapé da Praia, temem ficar isoladas via fluvial, que é o único transporte deles com a cidade de Santarém, caso esses igarapés sequem de vez, segundo eles, tudo em conseqüência das terras caídas, que como disse o vereador Evandro Cunha, destrói grandes áreas de terras de um lado e as remove para outros, inclusive para as entradas dos Igarapés.
A visão científica – José Alberto Lima de Carvalho, em dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, vinculado ao Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Amazonas, aborda o tema: Terras Caídas e Consequências Sociais, publicado no site www.cipedya.com, em julho de 2006. Segundo ele, terras caídas é uma terminologia regional amazônica usada principalmente para designar indiferenciadamente todo o processo de erosão fluvial lateral como escorregamento, deslizamento, desmoronamento e desabamento. É um fenômeno essencialmente natural que acontece com maior intensidade no curso médio e inferior dos rios de água branca, nos trechos em que os mesmos são margeados pela planície, cuja composição é predominantemente de areia pouco coesa.
José Alberto Lima de Carvalho define terras caídas como um termo regional amazônico usado principalmente para designar erosão fluvial acelerada que envolve desde os processos mais simples a altamente complexos, englobando indiferenciadamente escorregamento, deslizamento, desmoronamento e desabamento que acontece às vezes em escala quase que imperceptível, pontual, recorrente e não raro, catastróficas, afetando em muitos casos distâncias quilométricas. “Apesar da grande capacidade de transformação da paisagem ribeirinha e pelos transtornos que causam aos moradores e viajantes, o fenômeno ainda não mereceu maior atenção por parte dos pesquisadores. Essa afirmativa é constatada pela pouca publicação de pesquisas sobre o assunto”.
O pesquisador acrescenta que as terras caídas se manifestam também na cultura popular, onde o fenômeno aparece nas narrativas das populações ribeirinhas muito associadas aos grandes animais moradores do fundo dos rios, principalmente a cobra grande e outros seres fantásticos que “povoam” o imaginário dessas populações.
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Esta produção é parte da ação do curso de Jornalismo Científico da UFOPA na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia
Por: Milton Corrêa