Justiça do Trabalho decide em desfavor da prefeitura de Mojuí dos Campos
O Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Santarém, Fernando Moreira Bessa, atendeu ao pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), e determinou prazo de 90 dias para que a Prefeitura de Mojuí dos Campos, gestão Marco Antônio, adote medidas de higiene e segurança do trabalho aplicáveis aos estabelecimentos de saúde do município.
“(…) defere-se o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para que o Réu cumpra as seguintes obrigações, em relação a todos os seus estabelecimentos de saúde, no prazo de 90 (noventa) dias corridos (…) sob pena de multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) em relação a cada obrigação descumprida por dia em que persistir a mora”, expôs o magistrado na decisão proferida no dia 31 de outubro de 2023, no âmbito da Ação Civil Pública Cível (ACPCiv 0000919-03.2023.5.08.0109).
Para o Juiz, houve o preenchimento dos requisitos para autorizar a concessão da medida, uma vez que a cópia do Inquérito Civil (IC) apresentada nos autos demonstra a omissão do Município de Mojuí dos Campos, réu no atendimento às solicitações do MPT, assim como o reconhecimento pelo próprio município quanto à ausência de elaboração dos documentos essenciais questionados.
“(…) apontam para a veracidade da narrativa da peça de ingresso”, disse o magistrado, acrescentando:
“Ademais, é público e notório o risco da prestação de labor em ambiente hospitalar sem a devida proteção ou condições adequadas, diante do grau de propagação das mazelas que circundam nesse tipo de ambiente. Tem-se por justificado, assim, o perigo da demora”.
Do prazo estabelecido na decisão judicial, já se passaram mais de 60 dias. Até a finalização dos 90 dias, a prefeitura de Mojuí dos Campos deve:
- a) Elaborar e implementar o Programa Gerenciamento de Riscos (PGR), devendo o PGR estar integrado com planos, programas e outros documentos previstos na legislação de segurança saúde no trabalho;
- b) Elaborar, considerando os riscos ocupacionais identificados e classificados pelo PGR, e implementar o Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO);
- c) Observar, quando da elaboração do PCMSO, que deve ser estabelecida no programa, a periodicidade dos exames médicos periódicos para os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias, considerando os riscos que estão submetidos. Devem também ser indicados os exames complementares a que devam ser submetidos estes trabalhadores para além do exame físico e anamnese;
- d) Realizar os exames médicos ocupacionais, conforme estabelecido no PCMSO;
- e) Providenciar a emissão de Atestado de Saúde Ocupacional de todos os Agentes Comunitários de Saúde;
- f) Elaborar cronograma para submissão de todos os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias a exames médicos periódicos, para realização de todos os exames médicos periódicos, com a emissão dos Atestados de Saúde Ocupacional pertinentes;
- g) Fornecer aos trabalhadores, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, inclusive os EPIs necessários ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, o que inclui a concessão de máscaras cirúrgicas ou máscaras PFF2 ou N95, nos casos de impossibilidade de manter o distanciamento ou caso haja a necessidade de contato com moradores em local fechado; e
- h) Observar, quando aos fornecimentos de EPIs: que os equipamentos de proteção individual devem ser adequados ao risco de cada atividade, devendo ainda serem entregues em periodicidade que se revele compatível com a natureza da função desempenhada, onde o Município deverá exigir o uso dos equipamentos de proteção individual pelos trabalhadores, bem como deverá registrar o fornecimento do equipamento de proteção individual aos seus trabalhadores, podendo ser adotados livros, fichas ou sistema eletrônico.
O magistrado ressaltou em sua decisão, que, “em caso de descumprimento da tutela antecipada concedida, a multa será revertida a projetos e/ou instituições que possam contribuir para a reparação do dano, a serem oportunamente indicadas pelo MPT, com posterior avaliação por este Juízo”.
A Justiça do Trabalho notificou o município sobre a decisão no dia 8 de novembro de 2023, por meio do Procurador Geral do Município de Mojui dos Campos, Gonçalo Imbiriba Carneiro.
Tentativas de solução extrajudicial
Nos autos, os Procuradores do Trabalho ressaltam que antes de acionar a Justiça do Trabalho, houve várias tentativas de resolver questão de forma extrajudicial, que não surtiram efeito, devido às negativas da prefeitura de Mojuí dos Campos.
Uma delas foi à expedição de RECOMENDAÇÃO N.º 142.2020. Na oportunidade, o Ministério Público do Trabalho advertiu o Município que a não observância das recomendações resultaria em outras providências, podendo a omissão ou a ineficiência na adoção da medida recomendada implicar o manejo de todas as medidas administrativas e judiciais cabíveis, em sua máxima extensão, em face daqueles que se mantiverem inertes, os quais poderão, ainda, vir a ser responsabilizados por eventuais danos materiais e/ou morais, de envergadura coletiva e difusa, causados.
Em nova audiência, realizada no dia 25 de fevereiro de 2021, foi concedido prazo de 20 (vinte) dias para que o Município se manifestasse sobre a Recomendação incluindo cronograma de implementação das medidas.
No dia 29 de março de 2022, ante o silêncio do Município, foi requisitado que a prefeitura de Mojuí dos Campos realizasse a apresentação de documentação comprobatória da entrega de EPIs aos trabalhadores, assim como fosse demonstrada a confecção e implementação de programas de proteção à saúde dos trabalhadores.
Mais uma vez, não tendo sido apresentada a documentação requisitada, em 11 de maio de 2023, foi realizada nova audiência com o Município, ocasião em que foi apresentada pelo MPT, a sugestão de resolução através da assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC), abrangendo todos os objetos de investigação correlatos.
Na ocasião, com o intento de viabilizar a formalização do compromisso, o MPT flexibilizou os termos da proposta, deixando de exigir o pagamento de dano moral coletivo.
Por fim, em 12 de julho de 2023, foi realizada audiência com o representante legal do Município, Gonçalo Imbiriba Carneiro Júnior, na qual foi apresentada a proposta de TAC n.º 000036.2023.
Na reunião, foi sinalizado que sendo rejeitada a proposta de TAC, eventual ação na Justiça do Trabalho, necessariamente, veicularia valores de indenização por danos morais coletivos. O representante do Município solicitou prazo até o dia 19 de julho de 2023, para enviar o TAC devidamente assinado.
Entretanto, no dia 27 de julho de 2023, o Município peticionou, rejeitando assinatura do TAC proposto, sob o argumento de “não será possível a confecção de PCMSO e PGR, por entender que as Normas Regulamentares não são aplicáveis à municipalidade, considerando que seus colaboradores não são celetistas, mas sim estatutários ou temporários, regidos por legislação específica e contrato administrativo; bem como que outras adequações serão realizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária e financeira da SEMSA, buscando resolver os problemas detectados amenizados, com vistas a não comprometer orçamentariamente sem poder arcar com isso”.
Diante das negativas, segundo o parquet, não houve outra alternativa para garantir os direitos dos trabalhadores, a não ser a judicialização.
“Assim, verificando-se pelos documentos técnicos levantados no Inquérito Civil a irregularidade quanto ao fornecimento de EPIs para os servidores municipais, inexistência de PCMSO e PGR, não realização de exames médicos por parte dos trabalhadores do Município, notadamente os agentes comunitários de saúde e agentes de endemias, bem como ante à postura desidiosa de não responder às notificações do MPT, além da negativa quanto ao cumprimento de recomendação ministerial e, por fim, ante à recusa do Município em firmar compromisso de ajuste de sua conduta aos ditames legais, não resta, assim, outra alternativa senão o ajuizamento da presente ação”, ressaltou o MPT.
Conforme o fiscal da lei, existe uma vasta gama de regras e princípios, inclusive de compromissos internacionais, que garantem aos trabalhadores a aplicação das normas de saúde, segurança e medicina do trabalho, as quais não podem ser afastadas nem enfraquecidas pela simples alegação do regime jurídico do trabalhador ou posição do empregador. Nesta matéria não cabem as prerrogativas da Administração Pública, muito menos, a justificativa de dificuldade/falta de recursos e burocracia para deixar desamparado o trabalhador.
Indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 200 mil
Nos autos da Ação Civil Pública, o Parquet laboral entende que Município de Mojuí dos Campos deve ser compelido a reparar os danos genericamente causados à coletividade de trabalhadores e à sociedade como um todo, pagando indenização estimada em valor não inferior a R$ 200.000 (duzentos mil reais).
Para isso ressaltam diversos aspectos, entre eles, o reiterado descumprimento das obrigações legais.
“A conduta adotada pelo reclamado [prefeitura de Mojuí dos Campos], conforme detalhadamente relatado na presente ação, causou e causa lesão aos interesses coletivos de todos os obreiros que realizaram ou realizam suas funções para o demandado, além de despertar na sociedade o sentimento de injustiça e descrença no cumprimento da legislação, fatos estes que ensejam a atuação do Ministério Público para que esses bens imateriais sejam devidamente respeitados”, argumentou o MPT.
Para a Procuradoria do Trabalho, “determinadas condutas antijurídicas além de ocasionarem lesão a bens de índole material, possuem gravidade e alcance tamanhos que atingem também interesses extrapatrimoniais ínsitos à coletividade – pois esta, mesmo sendo despersonalizada, possui e titulariza valores morais e um patrimônio ideal que merece proteção”.
Assim, “as mencionadas ofensas por certo exigem a devida reparação, através da indenização dos danos morais coletivos configurados”.
Ainda de acordo com MPT, no caso em questão, o dano moral coletivo configura-se pela ofensa perpetrada, inclusive de forma continuada e generalizada, conforme demonstrado, a convenções internacionais, dispositivos constitucionais, legislação ordinária e normas regulamentares, violando todo esse arcabouço normativo que busca a tutela efetiva da saúde e integridade física dos trabalhadores.
“(…) o réu Município de Mojuí dos Campos vem reiteradamente descumprindo as obrigações legais referentes à proteção ao meio ambiente de trabalho, em clara violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate a Endemias (…)”, diz MPT.
“É inadmissível tamanho desrespeito ao ordenamento jurídico. Assim, somente com a efetiva condenação do demandado a reparar os danos morais decorrentes da conduta ilegal e abusiva por ela adotada – por todos os aspectos acima destacados – é que a justiça será feita na espécie”.
Os procuradores elencaram os seguintes critérios para o cálculo do dano moral coletivo:
- a) Grande quantidade de irregularidades constatadas nos diversos documentos juntados aos autos, ao longo de três anos de investigação – conforme comprovado pelo relatório de inspeção do sindicato laboral; oitiva de testemunhas atas de audiência com o acionado, que não deixam dúvidas quanto ao elevado número de violações trabalhistas cometidas pelo Município de Mojuí dos Campos;
- b) Desprezo do acionado em relação aos direitos sociais e fundamentais dos profissionais do Município de Mojuí dos Campos, considerando o desinteresse do demandado em adequar de sua conduta aos ditames legais, nada obstante tenha havido diversas oportunidades para tanto na via extrajudicial; e
- c) Precariedade das condições de trabalho oferecidas aos obreiros que prestam serviços para o acionado, pondo em risco a integridade física e a própria vida dos obreiros, diariamente, haja vista o generalizado desrespeito às normas regulamentares de proteção aos trabalhadores.
A decisão sobre o pagamento do dano moral, não consta na liminar. O magistrado deve se pronunciar no julgamento do mérito.
Por Baía
O Impacto