A inimputabilidade a luz da Constituição – reflexos no Estatuto da Criança e do Adolescente – O desarrazoado tratamento dado aos adolescentes em conflito com a lei
Por Carlos Augusto Mota Lima*
Advogado
A redução da maior idade penal é tema recorrente de acalorados debates sociais e políticos, de um lado os que defendem a redução da maior idade penal, de outro os que esbravejam cegamente pela manutenção do “status quo”, enfim, o tema é complexo, a discussão é infinita e não há consenso, enquanto isso, nos deparamos com a dura realidade social e o avanço descontrolado da criminalidade infanto-juvenil, como resolver o problema? Como, pelo menos, mitigar os efeitos perversos dessa criminalidade? Parte da sociedade aposta suas fichas na redução da maior idade penal como solução, para outros, isso, além de não resolver o drama da criminalidade infanto-juvenil, vai potencializar a crise no sistema penitenciário, que já é grave, em face à superlotação das cadeias públicas, então qual é a solução?
Precisamos compreender que a Constituição de 88 instituiu em seu Art. 228 a inimputabilidade como preceito constitucional, como limite da razão entre uma pessoa adulta capaz e um adolescente em desenvolvimento, aqui reside, talvez, o maior problema, o referido dispositivo constitucional do Art. 228 agasalhou em seu texto a seguinte redação: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeito às normas da legislação especial”. Com efeito, trata-se de uma norma Constitucional, em outras palavras, o legislador constituinte, blindou os menores de dezoito anos ao estabelecer no texto da Constituição, que o limite da razão cognitiva só acontece com o atingimento da idade de dezoito anos, esse é o limite, assim, caso o adolescente pratique um crime de homicídio, por exemplo, alguns minutos antes do dia em que complete 18 (dezoito) anos, pergunta-se: este adolescente infrator praticou um crime de homicídio ou um ato infracional? Qual a diferença entre essas modalidades jurídicas em face do Art. 228 CF/88?
Antes de nos reportamos ao mérito, necessário alguns esclarecimentos acerca dos fatos admitindo-se que a culpabilidade é um juízo de reprovação que recai sobre a conduta ilícita, e que a imputabilidade é pressuposto e não elemento dela, sem a mesma, não pode o agente ser criminalmente responsabilizado pelo ato que pratica, pois, imputabilidade, baseia-se no fato de que o homem é inteligente e livre, por conseguinte, deve ser responsabilizado por todas as suas condutas. A imputabilidade é a capacidade de suportar a sanção penal, sofrer, o processo penal, o Jus Punined Estatal, o Direito Penal por ser aflitivo é de “última ratio”, cuja corrente, hoje,predominante na Corte Suprema deveria ser mnimalista, o que não tem predominando, em face das anomalias dessa Corte. O Direto penal mínimo funciona como um soldado de reserva que só deve ser utilizado na última oportunidade, ante a gravidade e os danos que causa na vida dos réus e familiares envolvidos, o processo criminal, diferente de outras ramos do direito, sangra, tem vida própria, traz muito sofrimento, daí a necessidade da criação desse microssistema, que surgiu a partir da criação do ECA, cujo propósito está nitidamente ligado ao princípio de proteção integral, norteador, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual dispõe em seu artigo 1º sobre a proteção integral à criança e ao adolescente e traz o conceito de Ato Infracional que: “É a conduta descrita como crime ou contravenção penal, quando praticada por criança ou por adolescente” (artigo 103, Lei 8069/90).
Ora, em relação as condutas, as modalidades acima citadas estas se equivalem, entretanto, as consequências jurídicas são bem diferentes, considerando que o crime é fato típico, antijurídico e culpável cuja consequência jurídica é sempre a pena, desde que presente os três elementos ou substratos do crime, assim, podemos afirmar que o pressuposto do crime é sempre a pena e só é aplicável a pessoa capaz e maior de 18 (dezoito) anos plenamente imputável a luz da legislação brasileira, contudo, se o autor da infração penal, ao tempo da ação for menor de 18 (anos), a luz da constituição e do Código Penal Brasileiro (Art. 27 CPB), este é absolutamente inimputável, não havendo espaço para discussão, durante a instrução processual, quanto a sua capacidade ou não de autodeterminação, no momento em que praticou a crime, bastando provar que este, no momento da conduta, era ou não capaz, para isso, basta provar ser menor de 18 anos, simples assim, portanto, embora tenhamos condutas semelhantes, dois crimes iguais (homicídios), o adulto reponde pelo código penal, crime de homicídio cuja pena é elevada, via de regra crime hediondo, enquanto o adolescente, para a mesma situação, ou até mais grave, fica sujeito ao micro sistema, Para o legislador brasileiro, não estão aptos a supor o processo penal, logo, ficam sujeitos a medidas socioeducativas não superior a 3 (três anos), isso independentemente do número de delitos. Ora, adolescentes praticam as mesma conduta criminosas,com diversas qualificadoras, entretanto, seja qual for essas condutas criminosas, estas recebem a denominação de Atos infracionais.
Como se constata o legislador brasileiro, foi extremamente benevolente e sob esse manto protecionista exacerbado, estabeleceu medidas socioeducativas desarrazoadas, que não guardam proporção e razoabilidade entre a conduta criminosa e às medidas de internação não superior a 3 (três anos), impostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, independente da conduta criminosa desse adolescente, não resta dúvida que a medida é absolutamente desarrazoada, desproporcional ao dano causado.
Por oportuno, sabemos que ao mal do crime que é a negação do direito, corresponde o mal da pena, que deve ser proporcional à culpabilidade do agente, sendo este seu principal mérito, ao estabelecer um limite para a pena, neste caso específico, a pena não corresponde ao mal do crime e com razão, exatamente porque o adolescente não pratica crime, embora pratique um fato típico, ilícito, contudo, pela ausência da (imputabilidade) um dos elementos do terceiro substrato do conceito de crime, ou seja, da culpabilidade (excludentes da culpabilidade), este adolescente fica impossibilitado de sofrer os efeitos da sanção penal, ficando sujeito as chamadas medidas socioeducativas, que não podem ser superior a três anos, o que não é mais concebível nos dias atuais pela sociedade, ante ao avanço desenfreado dessa criminalidade.
Os jovens do século XXI sofreram grandes transformações a partir do surgimento das redes sociais, das novas tecnologias, portanto, essa inimputabilidade, do século passado não pode mais ser contemplada com essa candura, os jovens, os adolescentes, as crianças contemporâneas, sofreram mudanças radicais, não podemos mais nos engarmos. Neste sentido o conceito de inimputabilidade precisa certamente ser revisitado, ou como dizem os mais descolados resinificar esse conceito e adequá-lo ao tempos modernos, tecnológicos, urgentemente.
Resta questionarmos se a inimputabilidade de trata a Constituição pode ser alterada através de Emenda ou se faz parte do Art. 5º da referida Carta Magna? Neste caso, estaríamos falando de Diretos fundamentais, portanto, impossível de mudanças através de Emendas por estar protegido por cláusulas Pétreas por integrar o núcleo duro da Constituição, em outras palavras, não se altera a Constituição, sob hipótese alguma para retirar direitos ou garantias, essa é a primeiro premissa, segundo, por se tratar de diretos fundamentais que envolvem adolescentes, inclusive, circunscritos em Tratados Internacionais, a nossa Constituição, em seu artigo 60, §4º, CF/88, petrificou esse dispositivo de tal sorte que não permite alteração nem mesmo mediante emenda à Constituição, são as chamadas cláusulas pétreas.
Art. 60 – § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
Iv – os direitos e garantias individuais.
Por outro lado, para alguns constitucionalistas, a inimputabilidade de que trata o dispositivo não integra o núcleo rígido desse direito fundamental, seria um direito periférico, portanto, passivo de mudanças através de emenda à Constituição, entretanto, permito-me discordar entendendo que essa mudança só é possível com uma nova Constituição, assim, para mitigar os efeitos perversos dessa desproporcionalidade entre a conduta ilícita praticada pelos adolescentes, ainda que continuemos romantizando essa pratica, que parece-me destoar da realidade fática, que façamos uma imediata alteração na lei infra constitucional nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecendo mudanças na duração das medidas socioeducativas que, atualmente, são de no máximo 03 (três) anos, que essas medidas passem para o limite de até 10 anos e que esse limite, a depender do número de crimes, possa, chegar, inclusive, ao limite máximo de 15 anos, ou que seja colocado em discussão no Congresso Nacional, sendo que esses adolescentes continuem com o direto de cumprir o período de internação em Regime próprio, assim, certamente, acabaríamos com a sensação de impunidade.
Por oportuno, a mudança no regime, não afasto a possibilidade de tratamento diferenciado ao jovem adolescente infrator, todavia, precisamos enfrentar o problema e fazer as mudanças necessárias, de tal sorte que possamos adequar a realidade social dessa delinquência infanto-juvenil com os avanço da sociedade e da constituição, afinal, às leis são dinâmicas e precisam ser adequadas às mudanças sociais, por outro lado, sem perder o foco na qualidade das políticas públicas especialmente do ensino público de qualidade, da saúde, de acessibilidade, da produção de emprego, políticas públicas de distribuição de renda, acesso a moradia, políticas públicas inclusivas e não exclusivas, especialmente para acolhimento e incentivo ao esporte e lazer de jovens e adolescentes, políticas de incentivo ao menor aprendiz, enfim, a responsabilidade solidária de todos os entes da federação.
O Impacto