Todo imperador tem seu reino
Todo imperador tem seu reino. A maioria prefere os terrenos com castelos lotados de ouro, tapetes vermelhos e servos. Do alto de sua hierarquia, olha verticalmente para os outros e pisa em almofadas para não se misturar com a plebe. Mas há um representante da categoria que dispensa qualquer luxo por um par de chinelos, o calor de 35 graus do Rio de Janeiro e uma rabada com angu da dona Natalícia. Seu nome é Adriano, e ele voltou ao lar nesta quarta-feira. Com chegada digna dos reis modernos, em um carro de luxo branco, o jogador do Roma (Itália) arrastou multidões em seu desfile pela Vila Cruzeiro, na primeira vez que voltou à comunidade onde foi criado após a pacificação da área. O exército e os policiais militares ainda rodeavam o local, mas, no lugar de armas e tiroteio, foi o sorriso das crianças ao ver o ídolo tão perto novamente que reinou absoluto na favela.
Uma delas chamou a atenção. Era Ian, de apenas seis anos. Ao lado da mãe e do irmão, o menino soltava uma pipa com o desenho de jogadores da Seleção Brasileira. Tímido, ficou assustado com as cerca de 100 pessoas que cercavam Adriano e não chegou perto do atacante. Mas, com os olhos inocentes de quem ainda nem sabe com o que sonhar direito, balançou a cabeça e disse:
– Eu quero ser igual a ele.
Ian pode não saber, mas está no caminho certo. As tias do Imperador contam que Adriano também adorava empinar pipa. Segundo Rose e Vanderleia, o jogador perdia a hora até da escola enquanto olhava para o céu em busca do brinquedo.
– Ele amava ficar soltando pipa aqui nesse campinho mesmo, onde ele aprendeu a jogar futebol. A gente chamava e ele não estava nem aí (risos). Mas quando chegava a hora de ir treinar no Flamengo, nem precisa gritar pelo nome dele. Já estava na porta, todo arrumado, com o uniforme prontinho. Nunca chegava atrasado, nem gostava de faltar – disse Rose.
Assim como Adriano, sua família voltou à Vila Cruzeiro pela primeira vez após a pacificação. Lá, reencontrou amigos de velha data, que conheceram o Imperador ainda sem cedro, na época da pipa e dos shorts curtos, que não cabiam nas longas pernas. Personagens que apenas puderam andar tranquilamente pelas ruas da favela há três semanas, quando as forças armadas tiraram os traficantes de drogas do local.
– Vi mudanças grandes aqui dentro. A comunidade está em paz, será uma nova etapa na vida de todos. Espero que possam aproveitar esta chance que o governo está dando. É bom ver as crianças felizes – disse o Imperador.
Corrida para os quitutes de dona Natalícia
Adriano realmente estava em casa. Nesta quarta-feira, quando foi inaugurar o projeto social Imperadores da Vila, foi cercado por moradores e amigos, que queriam abraça-lo e tirar fotos. O calor estava aumentando, mas o jogador não deixou de atender ninguém. Sem cerimônia, tirou a camisa e continuou no meio da rua. Dentro da multidão, conseguiu avistar um rosto conhecido e fez um sinal com os dedos, para indicar que falaria depois. A destinatária era dona Natalícia. Foi na cozinha dela que ele saboreou um dos pratos mais típicos do Brasil antes de ir jogar em Roma.
– Ele foi lá em casa comer rabada com angu. Adora, sempre come. Também gosta de feijoada, risoto. Faço tudo para ele. Sou amiga da família há mais de 50 anos – contou dona Natalícia.
Teve até gente com ciúme da simpática senhora. Letícia Maiara, de 15 anos, é fã do Imperador. Mas não necessariamente por sua habilidade dentro de campo. A adolescente prefere outras qualidades.
– Ele é lindo. Olha isso aqui (mostra foto que tirou com ele). Ele estava aqui em um churrasco. Pedi para tirar a foto e levantou na hora. Muito gente boa. Só acho que poderia jogar no Fluminense. Seria melhor – pediu a tricolor.
A poucos metros dali, um senhor mexia com a cabeça sempre que ouvia o nome Adriano. Tuninho Tropical costumava jogar bola com o pai do jogador, o Mirinho, e viu o Imperador crescer. O orgulho do “filho do Ordem”, como o chamou, devido ao nome do campo onde chutou as primeiras bolas, era tão grande, que virou música.
– Escrevi Adriano Imperador. Contei a história dele, desde a Vila até a Itália. É mais ou menos assim: “Alô, galera, pode gritar. Adriano tá na área, vai balançar” – cantou.
Por Mariana Kneipp Rio de Janeiro