Milton Corrêa
Em 25 anos, Constituição Cidadã foi modificada 80 vezes
2ª parte
Agência Brasil
Passados 25 anos, a Constituição já foi modificada 80 vezes por meio da aprovação e promulgação de 74 propostas de emenda à Constituição (PECs) pela Câmara e pelo Senado. Elas acrescentaram, retiraram ou alteraram dispositivos do texto aprovado pelos constituintes em 1988. Seis modificações foram feitas em 1993, quando ocorreu a revisão da Constituição. Foram os próprios constituintes que fixaram a possibilidade de revisão do texto, uma única vez, depois de cinco anos de promulgada a Carta Magna.
O presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, no discurso de promulgação do texto, salientou que a nova Constituição não era perfeita, mas seria pioneira. “Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria”.
Durante a Assembleia Constituinte, foi cogitada a possibilidade de revisão do texto constitucional a cada cinco anos. No entanto, os deputados e senadores consideraram que isso poderia abrir margem para que, ao passar dos anos, a Constituição Cidadã fosse desfigurada. Prevaleceu a tese de uma única revisão e nela foram feitas apenas modificações de redação. Ou seja, foram corrigidas imperfeições, o que não provocou modificações no mérito.
Além de rejeitarem as revisões programadas, os constituintes também criaram mecanismos para dificultar a aprovação de mudanças no texto constitucional. Com isso, ficou definido que para alterar qualquer dispositivo da Carta Magna é necessário quórum de três quintos dos parlamentares em cada uma das Casas Legislativas, em dois turnos. Ou seja, 308 votos favoráveis na Câmara dos Deputados e 49 no Senado. Durante a Assembleia Constituinte, para aprovação de dispositivos era necessário o apoiamento de metade mais um dos constituintes.
Mesmo com tantas modificações no texto constitucional nesses 25 anos, muitas propostas para alterá-lo ainda mais estão tramitando na Câmara e no Senado. Ao todo, são 1.532 PECs apresentadas por deputados e senadores que dependem de aprovação para tornarem-se norma constitucional. Só na Câmara, são 1.089, sendo que 74 estão prontas para ser votadas em plenário e 1.015 tramitam pela Comissão de Constituição e Justiça ou por comissão que analisa o mérito da proposta. No Senado, são 443 propostas, das quais 75 estão prontas, dependem da votação no plenário, e 368 tramitam na Comissão de Constituição e Justiça.
Da hiperinflação à estabilidade econômica, o Brasil passou por profundas mudanças nos últimos 25 anos, desde a promulgação da Constituição de 1988. Naquele ano, os brasileiros conviviam com inflação próxima a 1.000% ao ano, enquanto hoje a previsão da alta geral dos preços é aproximadamente 6,5% no ano. Em 1988, a população era mais de 141 milhões, hoje já ultrapassou os 200 milhões.
Passados 25 anos, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos brasileiros quase dobrou, passando de US$ 6,6 mil para US$ 12,4 mil. O salário mínimo, que em 1988 equivalia a R$ 415, hoje é R$ 678. O número de carros circulando pelas estradas brasileiras, que era aproximadamente 10 milhões de unidades, hoje ultrapassa a marca de 70 milhões, de acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
A moeda à época era o cruzado, criado pelo então presidente José Sarney para tentar controlar a inflação, e atualmente é o real, instituído no governo do presidente Itamar Franco, em 1994. A taxa de desemprego, apesar de oscilações no período, se manteve na casa de 5%. Desde a Constituição de 1988, a expectativa de vida dos brasileiros aumentou de 65,8 anos para 74.
No campo político, a representação partidária no Congresso era composta por 13 legendas, sendo o PMDB e o então PFL, hoje DEM, as duas maiores forças. Duas décadas e meia depois, os partidos com representação na Câmara e no Senado totalizam 23 siglas, sendo o PT e o PMDB os maiores partidos políticos. Ao todo, com registro definitivo, existem 32 legendas no Brasil. O número de parlamentares no Congresso Nacional saltou de 559 para 594.
Durante o governo de seis presidentes – José Sarney (1985-1990), Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1995), Fernando Henrique Cardozo (1995-2003), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Rousseff (desde 2011) – o Brasil conseguiu reduzir a taxa de analfabetismo de 17% da população acima de 15 anos para 8,6%.
A elaboração da nova Constituição partiu praticamente do zero, apesar de o governo ter encaminhado uma sugestão de texto consolidado por uma comissão de notáveis, presidida pelo jurista Afonso Arinos. Instalada em 2 de fevereiro de 1987, o primeiro passo dos constituintes foi a criação de oito comissões temáticas e 24 subcomissões que receberam 37.961 emendas. Na Comissão de Sistematização, presidida pelo senador Afonso Arinos e relatada pelo deputado Bernardo Cabral, os textos das comissões serviram de base para a apresentação do primeiro anteprojeto da Constituição.
Já no plenário, ainda em 1987, foram apresentadas mais 20.791 emendas. O Congresso se transformou em um campo de batalha. Trabalhadores em busca de mais direitos, empresários preocupados com a possibilidade de as mudanças em discussão provocarem aumento de custos, governadores e prefeitos pressionando por mais benefícios, indigenistas, trabalhadores rurais, agricultores, todos empenhados na defesa de suas causas.
Os constituintes sofreram pressão de todos os lados. O governo federal também pressionou para que a Constituição, no modo de ver dele, não atrapalhasse a governabilidade. O então presidente Sarney chegou a usar cadeia de rádio e televisão, pouco antes da conclusão dos trabalhos, para criticar os rumos dos trabalhos parlamentares. Ulysses Guimarães, sentindo o impacto do discurso presidencial, rebateu as críticas de forma veemente. “Esta Constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo”.
Então coordenador do grupo de apoio aos trabalhos da Constituinte e hoje secretário-geral da Mesa da Câmara, Mozart Viana, relembrou à Agência Brasil que os constituintes decidiram fazer uma pausa “estratégica” nos trabalhos, na passagem de 1987 para 1988. Segundo ele, esse tempo ajudou a encontrar soluções para os diversos “nós” que impediam a conclusão da Constituinte.