Delegado é contra redução da maioridade penal
A tramitação da Lei de Redução da Maioridade Penal no Congresso Nacional trouxe à tona um amplo debate, sobre a questão de penas que podem ser aplicadas a menores de idade, que cometem atos infracionais. A Maioridade Penal é tema de controvérsias no momento atual de nossa sociedade. Segundo o Código Penal, a Constituição, a Lei de Segurança Nacional e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), menores de 18 anos são penalmente inimputáveis. A lei de nº 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Para o ex-titular da Superintendência de Polícia Civil do Baixo e Médio Amazonas, delegado Carlos Mota, o debate sobre a redução da maioridade penal é muito complexo. Ele explica que a partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas sócio-educativas previstas no ECA, tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional. O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração. “Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica”, esclarece Dr. Carlos Mota. Para ele, a redução da Maioridade Penal não é a solução para diminuir a criminalidade no Brasil. Em entrevista à nossa reportagem, o delegado Carlos Mota explicou os motivos de ser contra a Redução da Maioridade Penal. Veja a entrevista na íntegra:
Jornal O Impacto: O Projeto de Lei de Redução da Maioridade Penal pode ser considerado polêmico?
Delegado Carlos Mota: É um ponto extremamente polêmico. A primeira análise que deve ser feita, é que a inimputabilidade está prevista no texto constitucional, no artigo 228 da Constituição da República, como cláusula pétrea. Os menores de 18 anos são absolutamente inimputáveis, é o que diz a Constituição da República. Esse texto, por outro lado, é repetido na norma infraconstitucional, no artigo 27 de Código Penal, que vai dizer, também, que os menores de 18 anos são absolutamente inimputáveis, ficando sujeitos à legislação especial.
Jornal O Impacto: Qual o principal ponto de debate sobre o Projeto de Lei?
Delegado Carlos Mota: Qual legislação especial? Isso é um ponto fundamental. A primeira discussão do ponto de vista jurídico é que a redução da Maioridade Penal está no campo dos direitos fundamentais. Se está nesse campo, ela é atingida pela cláusula da intangibilidade? Da imutabilidade? Essa é a discussão. Ela está petrificada, segundo o artigo 60, parágrafo 4? Esse artigo trata dos direitos fundamentais. Para alguns juristas a inimputabilidade está dentro do campo dos direitos fundamentais e, portanto, está petrificada e não está sujeita a mudanças. Mas, para outros não.
Jornal o Impacto: Há também dúvidas sobre o entendimento dessa Lei?
Delegado Carlos Mota: Eu entendo que não está no núcleo dos direitos fundamentais, portanto, como está na periferia desses direitos fundamentais, ela fica sujeita às mudanças. Essa é uma das discussões jurídicas. Mas, o que vai se discutir é se a redução da Maioridade Penal é de fato uma solução para reduzir a criminalidade infanto-juvenil. Parece-me que ela por si só não. Claro que não. Temos que lembrar que cada Estado tem a criminalidade que merece, tem o criminoso que merece. É dessa forma que funciona a coisa. Não podemos imaginar que a partir da redução da Maioridade Penal, a criminalidade seja estancada e, que vão ter índices reduzidos de criminalidade. Lógico que não. Agora, por outro lado, é necessário que façamos, também, uma análise com o legislador infraconstitucional ao instituir o ECA. Ele não foi razoável, não houve razoabilidade, não houve proporcionalidade em relação às medidas sócio-educativas.
Jornal O Impacto: O adolescente pode ser responsabilizado criminalmente?
Delegado Carlos Mota: Quando eu falo, por exemplo, pena, eu me refiro a crime, então, a inimputabilidade significa dizer que não tem responsabilidade penal. Quem é inimputável não tem responsabilidade penal. Ressaltamos que a capacidade civil não se confunde com a capacidade penal. Ainda que esse adolescente case, ele adquire capacidade civil, mas continua inimputável do ponto de vista penal. Ainda que ele tenha nível superior ou se emancipe, ele continua inimputável. Daí a inimputabilidade ser absoluta. Isso é puramente biológico. Ou ele tem 18 anos e responde pelo Código Penal ou ele é menor de 18 anos e responde pelo ECA. Esse é um dos pontos que deve ser discutido.
Jornal O Impacto: Na verdade, o que os políticos buscam querendo reduzir a Maioridade Penal no Brasil?
Delegado Carlos Mota: Por outro lado, o que eu quero com a redução? Estancar a criminalidade? Essa é a grande esperança de grade parte dos políticos e de outros profissionais envolvidos nesse debate. Eu entendo que isso sozinho não. Eu quero tocar num ponto fundamental, que é a razoabilidade e proporcionalidade da medida para as ações criminosas. Lembrando que adolescente não pratica crime. Para que as pessoas possam entender, imaginamos o seguinte: o homicídio, o latrocínio, o tráfico de drogas, seja qual for o crime instituído na Legislação Penal Pátria, nós vamos chamar daqui pra frente se forem praticados por menores de 18 anos, de ato infracional. Ora, se ele pratica ato infracional, recebe medida sócio-educativa. Quem pratica crime recebe pena. Não há razoabilidade para o legislador infraconstitucional, que ele aplique uma medida sócio-educativa de três anos. Grande parte dos que levantam a não redução da Maior Idade Penal dizem: Não, os adolescentes no Brasil são punidos a partir de 12 anos. Aqui é bom que façamos um parâmetro, é claro que para o Estatuto da Criança e do Adolescente, criança é qualquer pessoa com 12 anos incompletos. Já adolescentes são pessoas maiores de 12 e menores de 18 anos. Os adolescentes é claro que vão responder por atos infracionais. Agora, não há razoabilidade quando eu quero tocar nesse ponto. O legislador não foi razoável ao instituir essa medida.
Jornal O Impacto: De que forma as mudanças devem ser feitas em relação à medida que deve ser adotada quando um adolescente praticar um ato infracional?
Delegado Carlos Mota: É necessário que façamos de fato uma mudança para que não tenhamos essa sensação de insegurança ou de impunidade que se instala quando a gente presencia atos brutos praticados por adolescentes. Do meu ponto de vista penal e da forma como entendo isso, eu diria que seria necessário que tivéssemos, por exemplo, o adolescente ao praticar um ato infracional gravíssimo, como latrocínio ou homicídio qualificado, esse adolescente fosse submetido a uma análise bio-psico-social. Como ele está do ponto de vista biológico? Como ele está do ponto de vista psíquico? Como está a saúde mental desse adolescente? Como é o comportamento social dele? Esse adolescente já casou? Ele tem família? Esse adolescente tem filhos? Ele usa drogas? Esse adolescente nasceu num ventre corroído pelo álcool? Qual é exatamente o perfil desse adolescente? Assim que tivéssemos o perfil desse adolescente, naturalmente ele sofreria uma sanção.
Jornal O Impacto: A forma de punição do adolescente que comete ato infracional deve sofrer modificação?
Delegado Carlos Mota: Vamos imaginar que ele praticou um crime grave e sofresse uma punição de 10 anos, pegando uma pena privativa de liberdade de 10 anos. É claro que os três anos que o ECA institui de medida sócio-educativa, ele cumpriria lá, segundo o micro sistema que o ECA trás, cujo ponto fundamental é a proteção integral da criança e do adolescente. Ele responderia por esse delito, cumprindo três anos de medida sócio-educativa. Agora, ao completar 18 anos, ele seria submetido à sanção e o cumprimento dessa pena no regime penitenciário normal. Nesse caso, haveria uma certa razoabilidade. A função da pena é exatamente isso. A pena também tem por finalidade prevenir e evitar a prática do ato ilícito. Para isso, a primeira medida de proteção, quando a gente fala da pena é inibir a conduta. A pena é inibidora da atuação. É claro que ela não funciona 100%, tanto é que temos crimes todos os dias. Já num segundo momento, eu vou ter a prevenção especial, que do ponto de vista da prevenção geral, ela está lá no Código Penal. Do ponto de vista da prevenção especial, aí você vai ter que aplicar a medida e afastar esse delinqüente do convívio social e colocá-lo dentro do sistema carcerário. Eu acho que é necessária a discussão. Não vejo que a redução seja a solução. Por outro lado, também não concordo que crimes tão graves e severos sejam punidos com uma medida sócio-educativa tão insignificante, insípida e incipiente para a ação.
Por: Manoel Cardoso