Trânsito, Crime e Fiança: Juiz explica processo para estipular valor e qual seu destino

Muitos são os casos de pessoas que começam a responder por crimes – das naturezas mais diversas – e ao pagar a fiança passam o processo todo em liberdade. Mesmo sendo algo comum dentro da burocracia de um processo criminal, poucos são os que conhecem de fato qual a finalidade da fiança e para onde esse dinheiro vai, causando também muita desinformação sobre isso. Para esclarecer essa dúvida, O Impacto conversou com o Juiz Alexandre Rizzi, Titular da 1ª Vara Criminal de Santarém. Para ele, faz-se necessário que a população saiba como se dá o processo de fiança e qual destino da mesma.

Em uma definição resumida, Fiança é um valor determinado por uma autoridade competente (Juiz ou Delegado) para que seja depositado, em dinheiro ou objetos, com a finalidade de que o acusado aguarde o julgamento em liberdade provisória.  O instituo da fiança, desde que bem aplicado, exerce um papel importante como forma de liberdade provisória, pois impede a continuidade da prisão em flagrante em determinadas infrações penais, desde que presentes determinados requisitos estabelecidos pela própria lei processual penal. A rigor, a fiança visa evitar prisões desnecessárias. O estabelecimento dessa fiança é que é um pouco mais complexo, como o próprio Juiz relata: “A gente precisa entender o seguinte, existem crimes de maior gravidade e os de menor gravidade. Os de menor gravidade – apenados com detenção – o delegado de Polícia Civil, ou Federal, dependendo do caso, que irá arbitrar a fiança. Em regra é o de Polícia Civil. Quando ocorrem casos mais graves, aí obrigatoriamente você encaminha para um Juiz, o delegado faz o procedimento e encaminha para a autoridade judiciária, sendo ela que vai – dentro de critérios objetivos e subjetivos previstos em lei – decidir se é cabível a fiança ou não. Casos, por exemplo, de homicídio culposo no trânsito, em que você observa uma, duas ou três mortes, tem aplicação de fiança e em regra seriam valores mais altos. Mas a gente também leva em consideração quem foi que realizou esta conduta. Foi um sujeito que já tem antecedentes, que tem passagens pela polícia por embriaguez no trânsito? É um sujeito que não tem antecedente, é a primeira vez que isso acontece, é um caso isolado, tem condições de pagar um valor mais alto? São critérios que vamos analisando e que dentro do “caso concreto” a gente aplica, por isso que às vezes aparece uma fiança mais alta ou outras mais baixas, é porque são muitas coisas que precisam ser analisadas. É importante que se diga também que nesses crimes culposos não se permite a prisão preventiva, então o que a gente faz? Aplicamos a fiança. Algumas vezes em crimes de trânsito temos o que chamamos de dolo eventual, quando o sujeito assume o risco daquele resultado e demonstra indiferença a esse resultado. Quando o delegado de Polícia encontra esses requisitos, o Ministério Público entende da mesma forma e o juiz analisa que há indícios suficientes e que os requisitos estão preenchidos, a gente decreta a preventiva”, relata Alexandre Rizzi.

Definição do valor da Fiança

Embora a fiança já fosse uma garantia prevista no processo penal, a Lei Federal nº 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, trouxe novos valores para efeitos de fiança. Atualmente, o valor máximo imposto como fiança pode superar 100 milhões de reais. Tratando-se de valores, este é também um quesito muito importante a ser levado em consideração no momento em que é definido o valor da fiança para um acusado.

“Eu levo isso muito em consideração. É bem fácil de entender, você imagina a seguinte situação: o sujeito comete um crime de lesão corporal leve e está com uma baixa quantidade de álcool no sangue. Está errado evidentemente, deve ser punido em razão disso, mas imagine que ele ganha um salário mínimo por mês e eu aplico uma fiança de cem salários mínimos. Você acha que ele vai conseguir pagar? Nunca que vai, o que significa dizer que ele vai seguir preso eternamente ou até uma decisão – e sabe-se lá quando que ela vai sair. Então temos que tomar muito cuidado, pois é um crime que pode responder em liberdade, mas se eu aplico uma fiança muito alta ele vai ficar preso o tempo todo, é esse o objetivo? Então sim, é levada em consideração a capacidade financeira, até quanto e quando ele pode pagar. Tudo isso a gente precisa considerar para arbitrar a fiança, porque se não ela perde o objetivo, já que essa é uma garantia que ao ser recolhida lhe permite acompanhar o processo em liberdade e ao final do processo se ele for absorvido o valor será devolvido para ele. Caso seja condenado, ele perde esse valor e ele é destinado para fundos e algo especificado em lei”, ressalta o Juiz.

Destino da Fiança após ser paga

Em casos quando o acusado comprova que não tem condições econômicas para fazer o pagamento, a autoridade poderá conceder sua liberdade provisória, mas determinando o cumprimento das mesmas obrigações impostas a quem paga a fiança. Para os que pagam a fiança, o valor pode ser até devolvido ao fim do processo, desde que ele seja absolvido. Se não, o dinheiro depositado inicialmente terá outro destino.

“Existe uma destinação prevista em lei. A fiança tem outra destinação, ficando em uma conta aguardando. Terminou a ação, o sujeito foi absorvido, se devolve esse valor corrigido para ele, é uma espécie de garantia. Se não for, a fiança sofre uma destinação: fundo penitenciário e outras destinações previstas em lei”, afirma.

Crimes que não possuem possibilidade de fiança

Segundo o juiz, é importante que a população entenda que a fiança está prevista em lei, mesmo que a sede de justiça de muitos ache que isso é desnecessário. Cabe ao juiz definir o valor da fiança e não dizer se o acusado pode ou não pagar, tendo em vista que a maioria dos processos criminais tem fiança para o acusado. Os casos em que não cabem fiança, segundo a Constituição Federal de 1988, são crimes de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, crimes hediondos, racismo  e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. “São inúmeros casos, você tem casos dolosos, penas acima de quatro anos. Existem crimes contra o patrimônio, de trânsito, crimes contra a vida. Todos elencados em lei, mas todos são requisitos objetivos e subjetivos.  Em regra, basicamente, são crimes de dolo: o sujeito usa o carro com o objetivo de matar, usando o carro como se fosse um instrumento, uma arma. Eu não posso aplicar fiança em um caso como esse, mas se o sujeito culposamente atropela alguém no trânsito, aí é cabível uma fiança. É uma situação que a gente analisa caso a caso, e é por isso que causa confusão às vezes, pois para a população parece a mesma coisa, mas para nós que estamos analisando o caso não é – existem situações que me levam a crer que cabe a fiança e outras que não”, comenta Alexandre Rizzi.

Regras a serem seguidas após pagamento da fiança

A partir do momento que o acusado de um crime paga uma fiança, ele terá o direito de responder por uma ação penal em liberdade, o que segundo o juiz ainda não quer dizer necessariamente que o Ministério Público irá denunciar o acusado ou que o Juiz receberá essa denúncia. No entanto, o pagamento do valor não significa também que o réu poderá fazer o que bem entender enquanto estiver em liberdade, tendo ele que seguir uma série de restrições que devem ser cumpridas rigorosamente.

“Em regra, se tem fiança terá uma ação penal, ou seja, ele é uma pessoa que está solta mediante condições, que são várias: recolhimento tal hora em casa, apenas ir para o trabalho, não poder mais ser encontrado na rua bebendo, não pode mais frequentar determinados lugares. A pessoa que é beneficiada, que recebe esse direito, precisa entender que a partir daquele momento a sua liberdade está restrita a determinadas regras. ‘Ah, o juiz me colocou em liberdade e agora posso fazer o que eu quer’, não é bem assim. Se não cumprir essas regras, o acusado corre o risco de ter esse beneficio retirado, podendo voltar a ser preso e piorando ainda mais sua situação”, ressalta.

Educação do povo quanto ao sistema judiciário e fianças

De acordo com Alexandre Rizzi, os crimes em Santarém – nesse caso principalmente os recentes crimes no trânsito – têm feito a população duvidar do processo da justiça e até mesmo da necessidade da fiança em casos mais evidentes, como por exemplo, quando um motorista dirige embriagado – assumindo um alto risco – causa um acidente, mata uma pessoa e ao pagar um valor estabelecido é colocado em liberdade. Segundo o Juiz, tais ideias surgem principalmente da desinformação da população de como funciona o sistema judiciário e seus trâmites para condenar ou absolver alguém.

“Eu noto que houve uma comoção, a imprensa tem procurado a gente para explicar algumas coisas. Em uma cidade grande como Santarém, é normal que esses eventos (acidentes de trânsito) aconteçam, mas claro que ninguém quer. O que as pessoas têm que entender é que estamos prontos para dar a resposta, às vezes não é tão rápido quanto as pessoas gostariam que fossem, mas muita rapidez também pode gerar injustiça. Acho que o judiciário paraense, principalmente em Santarém, está sendo muito rápido. Em acidentes de trânsito nós conseguimos responder tudo em três ou quatro meses é muito rápido. ‘ah, mas ainda são três ou quatro meses’, sim, mas são meses em que a pessoa tem o direito de apresentar a sua defesa e o Ministério Público tem o tempo para que possa maturar as provas, além do juiz que tem tempo para analisar tudo isso e dar uma resposta eficiente. As pessoas têm que entender que a resposta (à sociedade) está sendo dada, o sistema de segurança está funcionando. Mas o povo também precisa se educar, não adianta só eu ficar batendo aqui (condenando, absolvendo), a polícia prendendo, o Ministério Público fazendo a parte dele e só. Não adianta, as pessoas precisam se educar, entender que os nossos atos têm consequências, e dependendo do que você fez, podem ser positivas ou negativas”, finaliza o Juiz Alexandre Rizzi.

Por Michael Douglas

RG 15 / O Impacto

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