Receita Federal eleva litigiosidade e não respeita decisões judiciais
Todos sabemos que o Superior Tribunal de Justiça já assentou que têm direito de crédito do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) “todos aqueles bens e serviços pertinentes ao, ou que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços, que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes”.
O referido direito decorre do artigo 195, §12, da Constituição Federal, que consagra o princípio da não cumulatividade tributária como sendo direito subjetivo constitucional do contribuinte de não sofrer, no ciclo da atividade econômica, uma tributação cumulativa.
Não obstante a decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, agora, por mera instrução normativa (ato administrativo) a Receita Federal desautoriza a jurisprudência consolidada do STJ e brinca mais uma vez com a efetividade das decisões judiciais.
O ativismo fazendário consta da Solução de Consulta nº 7081/2020 de 18/1/2021 que “reconheceu”, para fins de apuração de crédito de PIS e Cofins, que o gasto com vale-transporte fornecidos por pessoas jurídicas a seus funcionários que trabalham diretamente na produção de bens ou na prestação de serviços deve ser considerado como insumo, por se tratar de uma despesa obrigatória, decorrente de imposição legal.
Ora, por que limitar a autorização exclusivamente ao vale-transporte? E as demais obrigações do contrato de trabalho, como equipamento de proteção individual (EPI), uniformes, etc.?
Afirma a ativista instrução que “somente as despesas com vale transporte” podem gerar créditos para PIS/Cofins.
É o típico caso de reversão jurisprudencial por ativismo do legislador. Aqui é mais grave por se tratar de mero ato administrativo que, a toda evidência, contraria e colide frontalmente com a decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que é a última palavra na interpretação do Direito infraconstitucional comum.
Se o ato estiver realmente violando o que foi decidido, e está, ele será cassado.
Vale lembrar que a própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional recorre exatamente quanto a esse ponto perante o Poder Judiciário, sendo absolutamente irônico e desrespeitoso que o próprio Fisco “esclareça” por mera instrução normativa aquilo que já foi decidido e que pretende modificar por recurso judicial.
Cuida-se de intolerável reversão jurisprudencial por ativismo de ato normativo fazendário.
O valor envolvido em disputas tributárias já supera o equivalente à metade do Produto Interno Bruto brasileiro, uma proporção que não encontra paralelo em nenhum outro lugar do mundo.
Já se comprovou que o contencioso administrativo precisa ser reformulado para atender aos ditames constitucionais, e a ausência dessa reformulação, abarrota o Poder Judiciário de ações. Ou seja: “custo Brasil”.
Há quem interessa que uma portaria esvazie o comando de uma decisão judicial?
Todos sonhamos com o desenvolvimento nacional e com o crescimento da economia e a redução do “custo Brasil”.
Mas, para tanto, precisamos de bom senso e segurança jurídica.
Finalizamos com Niklas Luhmann, que em sua obra “Confianza”, leciona que “a confiança institucional parte da consideração de que a confiança não pode ser somente gerada pela familiaridade interpessoal. A confiança institucional é formada pela estrutura social formal para reduzir os riscos de confiança e tornam mais fácil sua existência”.
De fato, não podemos aceitar que uma portaria esvazie o comando de uma decisão judicial.
Fonte: Revista Consulto Jurídico