STF rejeita ações contra Copa América e permite realização do torneio no Brasil
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal votou para rejeitar duas ações que pedem a suspensão da Copa América. Se for mantido, o placar confirma a realização do evento no país a partir do próximo domingo (13).
O tema é julgado no plenário virtual do STF, onde os ministros se manifestam eletronicamente. As duas ações que devem ser rejeitadas têm a ministra Cármen Lúcia como relatora.
A maioria dos ministros acompanhou o voto de Cármen, que rejeitou os dois pedidos por questões processuais. Veja detalhes dos processos no vídeo abaixo (anterior à formação da maioria):
Relator de um terceiro processo sobre o tema, o ministro Ricardo Lewandowski defende que o governo tenha de apresentar, em 24 horas, um plano “compreensivo e circunstanciado acerca das estratégias e ações que está colocando em prática, ou pretende desenvolver, para a realização segura” do evento.
Lewandowski também votou para determinar que os governos do Distrito Federal e dos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso e Goiás, assim como os municípios do Rio de Janeiro, Cuiabá e Goiânia, que pretendem sediar jogos, “divulguem e apresentem ao Supremo Tribunal Federal, em igual prazo, plano semelhante, circunscrito às respectivas esferas de competência”.
Até a publicação desta reportagem, não havia maioria para concordar com Lewandowski e pedir esses documentos aos governos.
O placar no STF
A votação vai até as 23h59 desta quinta. Até as 18h, o placar das ações em julgamento estava assim:
Seis votos (maioria) para rejeitar duas ações contra a realização da Copa América: Cármen Lúcia (relatora), Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.Três votos na outra ação para pedir planos de contingência aos governos: Ricardo Lewandowski (relator), Edson Fachin e Gilmar Mendes.
Na ação relatada por Lewandowski, em que foi proposta a cobrança dos planos de contingência, o ministro Marco Aurélio Mello votou para que o processo também seja rejeitado.
Para ele, o que se pretende com a ação judicial é que “o Supremo se substitua ao Executivo federal e defina, sob o ângulo da conveniência e implicações, se deve ser realizada, ou não, no Brasil, a Conmebol Copa América 2021”.
O voto de Cármen Lúcia
Ao votar em um dos processos, a ministra relatora Cármen Lúcia ressaltou que “a notícia de que autoridades brasileiras apoiariam a iniciativa da vinda de seleções estrangeiras de futebol para realização de mais um campeonato” foi considerado “um agravo por grande número de pessoas, considerando-se a precariedade e gravidade das condições sanitárias, sociais e econômicas decorrentes da pandemia”.
A ministra disse ainda que o “estupor” “acarreta medidas de natureza variada, incluída a presente, de natureza judicial, que é posta porque se procura alguma alternativa para impedir ou prevenir comportamentos sócio-políticos que possam acarretar maior gravame sanitário”.
Apesar desses argumentos, a relatora pontou que “a este Supremo Tribunal incumbe atuar segundo as balizas da Constituição e da legislação vigente. Juiz não atua porque quer nem como deseja, mas segundo o que o direito determina e nos limites por ele estabelecidos”.
Sustentou ainda que a declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre a realização da Copa “não é o fator determinante que poderia acolher ou afastar a realização do evento”. Isso porque o presidente, no entendimento da ministra, não tem competência para autorizar ou não jogos em estádios de futebol estaduais ou municipais.
“O Presidente da República não detém competência para autorizar ou desautorizar a possibilidade de realização de jogos nos equipamentos estaduais ou municipais, quando for o caso, podendo, no máximo, como se tem informado no processo, apoiado a iniciativa, pondo-se de acordo com a sua ocorrência”, escreveu.
“Se nenhum dos gestores estaduais autorizar, por exemplo, a realização de jogos de um campeonato em seu espaço de autonomia, não poderá se sobrepor ordem de qualquer natureza, nem administrativa, caso do Presidente da República, menos ainda de entidade desportiva, que é particular e negocia jogos, condições, regulamentos, etc., em matéria que a Constituição da República exclui até mesmo da competência do Poder Judiciário”, completou.
A ministra entendeu que a competência para liberar os jogos é dos estados. E que não cabe ao Supremo julgar mandado de segurança que tenha justamente como alvo atos de governadores.
Em relação à confederação sindical, Cármen Lúcia pontuou que a ação deveria ser rejeitada porque não caberia à entidade fazer o pedido à Corte.
“O alegado impacto negativo da realização do evento no direito subjetivo dos representados da categoria não se comprova apto a legitimar a atuação judicial da autora, considerado o resultado indireto de eventual realização do evento impugnado aos interesses de trabalhadores nas indústrias metalúrgicas, mecânicas e de material elétrico, eletrônico e de informática, que a autora representa”.
A ministra frisou, no entanto, que o fato de a ação ser rejeitada não retira a responsabilidade do Poder Público de agir para evitar a circulação do vírus.
“Importante realçar, contudo, que a negativa de seguimento desta arguição de descumprimento de preceito fundamental pela carência de atendimento aos pressupostos processuais para o seu regular processamento, incluído a ilegitimidade ativa e a ausência de ato especificado objeto da impugnação, não exime os agentes públicos competentes de adotarem decisões e providências sanitárias, de segurança pública e outras que deem cumprimento aos protocolos adotados no plano nacional, estadual e local e ainda daqueles que venham a ser necessários para que se completem todas as medidas para prevenir, dificultar e tratar os riscos e sequelas de transmissão, contaminação e cuidado pela Covid-19”.
“Políticas públicas, ainda que de facilitação ou permissão de eventos públicos ou privados com aglomerações no período pandêmico, e que, ao invés de conter e limitar a reunião de pessoas, convidem-nas ou propiciem ajuntamentos, como próprio de eventos desportivos, tendem a contrariar medidas e ponderações médicas atualmente recomendadas pela Organização Mundial da Saúde, e adotadas, com sensíveis resultados positivos, em grande parte de Países, em respeito às recomendações da medicina de evidência, a ser reverenciada e acatada”, ponderou a ministra.
“A Administração Pública é responsável pelos danos que advierem de sua atuação, sendo este princípio basilar do Estado de Direito”, completou.
O voto de Lewandowski
Relator de um terceiro processo sobre o tema, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o anúncio da realização do evento, que poderia ser motivo de comemoração, se transformou em perplexidade em diversos setores da sociedade brasileira, tendo sido comunicado a menos de 15 dias do início do evento e em meio aos graves números da pandemia.
Lewandowski cobrou compromisso das autoridades com o enfrentamento da pandemia.
“No atual cenário, não é mais possível tolerar atitudes complacentes ou até mesmo indiferentes por parte das autoridades estatais com relação ao surto pandêmico que grassa desenfreado por todos os quadrantes do território nacional, situação, de resto, agravada pelo aparecimento de novas cepas do vírus ainda mais contagiantes e letais do que aquelas que originalmente aportaram no país”.
O ministro disse que condutas desse tipo podem configurar crime de responsabilidade, atos de improbidade administrativa, crime de prevaricação, crime contra a saúde pública.
“Não fosse apenas por obrigação legal, constitui dever ético de todos os agentes públicos, imposto pelo princípio constitucional da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF),4 atuar, diligente e eficazmente, no enfrentamento da pandemia, incumbindo-lhes implementar medidas preventivas e curativas recomendadas por autoridades sanitárias nacionais e internacionais, que compreendem, dentre outras, a restrição de acesso a locais públicos, a imposição do distanciamento social, o uso de máscaras, a higienização das mãos, assim como a distribuição suficiente e tempestiva de vacinas, além da oferta adequada de leitos hospitalares, de vagas em unidades de terapia intensiva, de equipamentos médicos, de insumos laboratoriais e, sobretudo, de fármacos apropriados para tratamento do novo coronavírus”, escreveu.
O ministro afirmou que, numa conjuntura como a atual, “caracterizada por um avassalador sofrimento coletivo causado pelo recrudescimento da pandemia, incumbe ao Supremo Tribunal Federal exercer o seu poder contramajoritário, oferecendo a necessária resistência às ações e omissões de outros Poderes da República,”.
“Na situação sob exame, salta à vista que a decisão de realizar a Copa América 2021 no Brasil foi tomada pelo governo Federal e, supostamente, por alguns entes subnacionais, em um prazo extremamente curto, ou seja, pouco antes de sua inauguração, mesmo diante do risco de enfrentar-se, proximamente, uma terceira onda da pandemia no mundo, com a perspectiva de seu agravamento no país”, disse.
Lewandowski criticou o fato de a definição sobre o evento não levar em consideração critérios técnicos.
“Ao que tudo indica, a decisão não se baseou, como deveria, em estudos prévios e nem em consultas aos demais atores nacionais ou mesmo internacionais envolvidos no combate à doença, a exemplo da Organização Mundial de Saúde – OMS.6 A maneira repentina como foi anunciado o acolhimento da Copa América 2021 em nosso País revela, ao menos num primeiro olhar, que a decisão foi levada a efeito sem o necessário amparo em evidências técnicas, científicas e estratégicas”.
O ministro defende que o governo federal e os governos estaduais que vão receber o evento apresentem um plano sanitário, em 24 horas, detalhado ao Supremo para garantir a segurança da população durante a Copa e, de modo particular, a dos torcedores, jogadores, técnicos, integrantes das comitivas e profissionais de imprensa que ingressarão no país.
As ações em julgamento
As ações sob relatoria da ministra Cármen Lúcia foram apresentadas pelo PSB e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. Já o processo sob relatoria de Lewandowski foi apresentado pelo PT.
A ação do PSB foi apresentada no dia 31 de maio, depois da divulgação de que o país iria sediar o torneio.
No processo, o PSB argumentou que “a intensa circulação de visitantes em território nacional promoverá evidente propagação do vírus da Covid por diversos estados brasileiros, bem como a potencial entrada de novas variantes virais em território nacional, em momento no qual as autoridades sanitárias já lutam contra a sedimentação da variante indiana”.
Já o pedido da entidade sindical foi apresentada no dia 1º de junho. A confederação pediu que o tribunal fixe um entendimento no sentido de que o país não pode ser sede de competições internacionais no esporte “enquanto perdurar a necessidade de isolamento social, o estado de pandemia e de calamidade pública em razão da Covid”.
O pedido do PT foi apresentado em uma ação que já tramitava no STF desde o fim do ano passado – por isso, ficou sob a relatoria do ministro Lewandowski. O partido sustentou que a realização do evento viola o direito à saúde.
Fonte: G1