Doença da ‘urina preta’: Surto no AM já contabiliza mais de 50 casos e uma morte
Por Edmundo Baía Jr.
A rabdomiólise, popularmente conhecida como doença da ‘urina preta’, é uma síndrome clínico-laboratorial que decorre da lesão muscular com a liberação de substâncias intracelulares para a circulação sanguínea. No caso do surto investigado no Amazonas, a hipótese principal é a de que a enfermidade esteja relacionada a uma toxina que é encontrada em peixes e crustáceos.
Na última atualização publicada pela Fundação de Vigilância e Saúde do Amazonas (FVS), na noite de quarta-feira(1º), haviam sido notificados 52 casos, sendo 36 casos em Itacoatiara, 2 em Manaus, 1 em Autazes, 1 em Caapiranga, 4 em Silves, 3 em Parintins, 4 em Borba e 1 em Maués, além de 1 óbito de uma pessoa residente no município de Itacoatiara.
Com o registro de casos em municípios amazonenses próximos a fronteira com o Pará, o questionamento quanto à possibilidade de a doença ocorrer em solo paraense reverbera entre a população.
Em Santarém, apesar de a maioria das pessoas ouvidas pelo O Impacto não acreditarem que isso possa ocorrer, é notória a preocupação, tanto por parte dos consumidores, quanto por vendedores de pescados.
“Tudo o que está ocorrendo no estado vizinho nos traz receio, principalmente porque somos acostumados a comer peixe. Mas não pretendo mudar esse hábito. Acreditando que caso essa doença chegue aqui, nossas autoridades farão o trabalho de nos alertar”, disse a dona de casa Maria da Conceição Pinto.
A redução no consumo e, consequentemente, na comercialização do pescado é a preocupação do vendedor de peixe João da Rocha.
“Apesar de não acreditar que essa doença chegue por aqui, a nossa preocupação é com a forma que a população possa reagir. Dependendo da espécie, o pescado é uma alternativa mais barata em relação à carne de boi e ao frango, o que com certeza pesa na balança diante da necessidade de economia no dia a dia”, argumenta.
Seja em uma perspectiva pessimista ou otimista, a verdade é que o consumo de pescado pela população é uma característica comum entre os paraenses e amazonenses. E a proximidade entre os municípios do Pará e do Amazonas, onde foram notificados os casos da ‘urina preta’, por si só merece atenção e alerta das autoridades de saúde do lado de cá da fronteira.
PROIBIÇÃO DE CONSUMO DE PEIXE
Na noite de quarta-feira(1º), a Fundação de Vigilância e Saúde do Amazonas Dra. Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP), publicou comunicado com orientações quanto às restrições do consumo de pescado extrativo (oriundo de lagos e rios) no município de Itacoatiara (a 176 quilômetros de Manaus) pelos próximos 15 dias, como medida para conter a proliferação da rabdomiólise na região.
O comunicado informa que devido às evidências de casos de rabdomiólise relacionados à ingestão de pescados, a FVS-RCP orienta a população do município de Itacoatiara, um dos pontos com mais casos da doença, a restrição temporária do consumo dos peixes Pirapitinga, Pacu e Tambaqui, de origem de pesca em rios e lagos, sendo essas as espécies que podem estar associadas ao aumento de casos no município.
O documento esclarece ainda que o pescado com origem de criadores em tanques de piscicultura não está associado aos casos da doença, além de outras espécies de peixes encontrados nas bacias de rios e lagos da região.
A recomendação para os demais municípios é de alertar a rede de saúde para a identificação de possíveis novos casos e orientar a população quanto aos sinais e sintomas da doença.
FORÇA-TAREFA PARA INTENSIFICAR INVESTIGAÇÃO
O Governo do Amazonas montou uma força-tarefa com especialistas que atuam em diferentes órgãos do Estado com o objetivo de investigar mais a fundo possíveis causas e formas de combate ao surto de rabdomiólise.
“Essa força-tarefa que estamos articulando com outros órgãos é justamente para a gente coordenar uma ação conjunta, principalmente porque envolve a produção rural, os pescadores artesanais, envolve questões relativas à cadeia econômica, mas, principalmente, a saúde pública. Nossa preocupação é com a segurança alimentar e com a saúde da população”, destacou Cristiano Fernandes, diretor-presidente da FVS.
O surto de rabdomiólise vem gerando preocupação entre os amazonenses para além de questões relacionadas à saúde. O principal receio no momento é quanto ao consumo de peixes, algo bastante popular em todo o estado e que vem sendo apontado como culpado pela transmissão da doença.
De acordo com o superintendente federal de agricultura no Amazonas, Guilherme Pessoa, ainda é cedo para fazer essa relação. “Nos parece ainda precipitado correlacionar isso com o consumo de peixe de modo geral. Nós já temos a certeza de que peixes de tanque, da piscicultura, não existe nenhum relato no mundo que possa ser associado com rabdomiólise”, explica.
“Então o que está sendo feito é uma força-tarefa para poder a gente trazer o máximo de informações de campo, ao mesmo tempo processar amostras e correlacionar, ver se encontra toxinas ou ação de algum microorganismo que possa justificar o surto de rabdomiólise”, completa o superintendente.
Segundo o secretário adjunto de Pesca e Aquicultura da Sepror, Leocy Cutrim, a preocupação é que a indevida associação do peixe como vetor da doença, aliada à proliferação de notícias falsas, possa afetar diretamente o setor primário e toda uma cadeia de produção que envolve a atividade pesqueira e o consumo do alimento no estado.
“Nós da Sepror estamos preocupados com a questão da diminuição do consumo de pescado por consequência de o estado ser o um dos maiores consumidores de pescado do Brasil. A gente precisa dar essa resposta à população com tranquilidade, sem criar pânico como vem ocorrendo principalmente nas redes sociais”, diz.
CAUSA
A rabdomiólise pode ser desencadeada por múltiplas causas. Pode ser por um medicamento, por um metal pesado, uma atividade física extenuante, após convulsões ou pela ingesta de toxinas.
“Essa situação específica há uma rabdomiólise com uma história de ingestão prévia de peixes. Ainda trabalhamos no campo das hipóteses. Pode ser uma bactéria, um vírus, ou até mesmo uma toxina. As pessoas têm um quadro clínico sugestivo de intoxicação, após a ingesta alimentar, e é de evolução rápida; e, até hoje, em todas as situações que isto ocorreu, com todas as análises de amostras, de tecidos, não conseguiu ainda dar uma confirmação da causa real desses casos de rabdomiólise, que são associados à prévia ingesta de peixes”, destaca o infectologista. Magela lembra que este é o terceiro surto da condição no Amazonas.
SINTOMAS E TRATAMENTO
Uma característica comum das pessoas com a condição é que desenvolveram um quadro que iniciou com dores de cabeça e musculares. “São dores nos grupos musculares que nós temos controle sobre eles, que chamamos de musculatura esquelética. A isso se associa fraqueza e dificuldade nos movimentos. Sabemos que nesta situação, havendo a ingesta prévia de peixe, a equipe de saúde já está ciente que ocorrendo isso, lança mão de alguns exames de laboratório, que podem confirmar ou descartar essa possibilidade. No caso de confirmação, se encaminha a pessoa para o tratamento adequado”, explica o infectologista Antonio Magela.
O tratamento depende da gravidade do caso, pode ser feito em internação hospitalar ou no domicílio do paciente. Qualquer unidade hospitalar do estado pode tratar pacientes com essa condição.
AGRAVAMENTO
Apesar de poucos casos agravarem, Antonio Magela destaca que há essa possibilidade. “O grande risco é que estamos falando de uma condição que é ocasionada por destruição muscular. Tanto a destruição de musculatura de caixa torácica, abdominal, membros, mas nós podemos falar também em musculatura cardíaca, além da toxicidade para o rim, fazendo com que o paciente possa evoluir para insuficiência renal”, disse. Porém, o médico diz que são situações de complicações que têm a maior probabilidade de não ocorrer.
“O importante é entender que se formos comparar o nível de consumo de peixe com o número de casos, a gente vê que é uma relação mínima, porém, não menos preocupante. Qualquer situação que coloque em risco a saúde das pessoas deve ser avaliada com cuidado, as pessoas devem ser tratadas da maneira mais adequada possível e temos que ter preocupação também com o aspecto econômico e nutricional”, disse o infectologista.
RG 15 / O Impacto
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