Saída Temporária (saidinha) e a Legislação Penal Brasileira
Por: Carlos Augusto Mota Lima – advogado
A legislação penal brasileira estabelece direitos e garantias, o próprio Código Penal, não se limita só em penalizar, punir o delinquente, também, contempla direitos e garantias, ao descrever as condutas criminosas e as respectivas sanções. Essas garantias, devem ser observadas pelo magistrado ao fazer a dosimetria da pena, no mesmo sentido, devem, também, serem respeitadas pelo juízo da vara de execução penal, responsáveis pelo fiel cumprimento das penas aplicadas aos condenados. Vale lembrar, que temos o juízo da condenação, responsável pela instrução do processo e prolação da sentença, condenando ou absolvendo o réu e o juízo da vara de execução, responsável pela efetivação do cumprimento da sentença, que deve ser cumprida de acordo com regras estabelecidas na Lei de Execução Penal – LEP – Lei nº 7.210/84.
O cumprimento da pena, momento de segregação do agente, deve ocorrer, sempre, em consonância com os demais dispositivos processuais legais e Constitucionais, com foco no respeito à dignidade da pessoa humana (Art. 1°, III, CF/88), aliás, fundamento do Estado Democrático de Direito. Curiosamente, diferente do que muita gente pensa, essa lei é antiga, cuja, finalidade basilar é efetivar o cumprimento das decisões judiciais, contudo, além desse propósito a LEP, estabelece direitos e garantias aos detentos, funciona como verdadeiro Estatuto dos Presos, disciplinando o cumprimento das penas visando, sempre, a reintegração do apenado, do reeducando ao sistema social.
O Código Penal Brasileiro prevê que o sistema de cumprimento de pena no Brasil é progressivo (Art. 33, caput, CPB), inclusive, estabelece o regime de cumprimento, sendo que penas de reclusão devem ser cumpridas em regime fechado, semiaberto ou aberto, veja que interessante, o condenado à pena de reclusão, dependendo das circunstâncias judiciais, pode iniciar o cumprimento dessa pena no regime semiaberto ou aberto, enquanto as penas de detenção, obrigatoriamente, iniciam no regime semiaberto ou aberto, salvo necessidade de transferência para o regime fechado, em outras palavras, ao apenado, o magistrado ao prolatar a sentença, determina a espécie e quantidade da pena (reclusão ou detenção) e o regime de cumprimento dessa pena (fechado, semiaberto ou aberto), portanto, nossa legislação contempla o regime progressivo de cumprimento de pena.
Por oportuno, vale destacar que a saída temporária consiste em um benefício aos reeducando do regime semiaberto, estes, em razão do regime de cumprimento da pena, passam a noite no presídio, mas ganham o direito de sair durante o dia para trabalhar ou estudar, eis a grande incoerência, o antagonismo, muitos acham que esses detentos, ao receberem esse benefício da saída temporária (saidinha), ganham as ruas e voltam a delinquir, mas esquecem, que todos que cumprem pena no semiaberto, indistintamente, podem sair todos os dias para trabalhar ou estudar, retornando ao confinamento somente as 18h, independentemente, das saídas temporárias a que tem direito que acontecem em dias especiais, ou seja, nada os impede de praticarem crimes durante o período que são liberados para o trabalho ou estudo.
O art. 122 da LEP prevê, com exceção dos presos do regime fechado, a saída temporária para visitar a família, que pode ser concedida cinco vezes ao ano, cada saída, poderá durar até sete dias corridos, também, em datas como o natal e ano novo, páscoa e no dia das mães. Esse benefício, só é concedido para detentos que preencham os requisitos objetivos e subjetivos, os primeiros, estão relacionados ao cumprimento de parte da pena, ou seja, exige que tenham cumprido uma fração mínima, de 1/6 (um sexto) se primário e 1⁄4 (um quarto) se reincidente, já os subjetivos, são meritórios e dependem, exclusivamente, do apenado, como, por exemplo, bom comportamento carcerário e não estar respondendo procedimentos administrativos dentro do local onde cumprem a pena, inclusive, esse benefício funciona como estímulo para que cumpram suas penas de acordo com as normas internas do sistema carcerário, desse modo, preenchidos esses requisitos, que são cumulativos, os detentos adquirem o direito de saída temporária e isso só é possível, a partir da progressão de regime, quando o detento sai do regime fechado para o semiaberto, lembrando que a progressão, nada mais é que um mecanismo de retorno gradual do interno ao sistema social, ou seja, mecanismo de ressocialização, adquirido pelos detentos, somente, a partir da progressão de regime. Quando isso acontece, estes, passam a ter outros direitos, dentre eles, o da saída temporária previsto nos artigos 122 a 125, da Lei de Execução Penal (LEP) ressaltando que esse benefício, só é concedido para pessoas privadas de liberdade em regime semiaberto, que não foram condenadas por crimes hediondos que resultaram em morte ou esteja respondendo processo administrativo interno por cometimento de falta grave.
Retirar direitos e garantias previstos no ordenamento jurídico não funciona como medida razoável para reduzir a violência. O Brasil já viveu essa experiência, basta lembrarmos, da entrada em vigor da Lei nº 8.072/90, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, cuja, finalidade era estancar a violência urbana desenfreada que ocorria nas capitais brasileira à época, mas, infelizmente, não funcionou, ao contrário, teve um impacto negativo e fomentou a criminalidade dentro das cadeias Brasil afora, dando, inclusive, origem às organizações criminosas dentro das cadeias públicas. Essa lei, já nasceu inconstitucional, retirou direitos e garantias dos detentos previstos na Constituição e leis extravagantes, criou um rigoroso regime de cumprimento de pena, suprimindo o direto a progressão, assim, o preso condenado por crimes hediondos ou equiparados (tráfico de drogas, tortura e terrorismo), eram obrigados a cumprirem a pena, a que foram condenados, integralmente, não tinham direto, também, ao livramento condicional, que consiste na antecipação da liberdade dos detentos, depois de cumprirem parte da pena e preencherem os demais requisitos exigidos em lei. Finalmente, o supremo tribunal federal reconheceu a inconstitucionalidade da Lei e permitiu, novamente, a progressão para os que praticassem Crimes Hediondos, embora, sendo, uma progressão qualificada, que exige dos dos condenados por esses crimes, que cumpram um percentual maior da pena, em relação aos demais crimes, isso significa que o rigor trazido pela Leis dos Crimes Hediondos não funcionou como fator de redução da criminalidade
Essa tentativa foi um fracasso, ainda assim, o Legislativo Brasileiro, insiste, na mesma prática, esperando resultados diferentes, o que certamente não irá acontecer. A redução da violência, a partir da criação de leis severas ou mediante a supressão de direitos e garantias, continua sendo uma prática recorrente, isso é malhar em ferro frio, o desastre do passado em nada serviu de ensinamento, continuam com a mesma retórica, não enfrentam o problema da violência de frente, optam por políticas falaciosas e sem nenhum efeito prático a exemplo do Projeto de Lei 2253/2022, conhecido como PL das Saidinhas, sendo uma dessas políticas incipientes, inócua, frívola que quando aprovada e entrar em vigor em nada irá reduzir os índices de violência ou a sensação de segurança a que todos os cidadãos têm direito. O legislador brasileiro continua apostando que a pena é a solução para todos os problemas de violência que afligem a sociedade.
A aprovação desse PL é um retrocesso, cujo, fundamentos não se sustentam, o fato de uma minoria que são contemplados com essa saída temporária não retornarem, ou até, a ocorrência de crimes praticados por algum detento que esteja usufruindo do benefício, não justifica a cassação desse direito, pois, a grande maioria que cumprem rigorosamente as exigências legais para adquirirem o benefício, serão prejudicados por condutas de uma minoria, isso não parece razoável, é possível que tenhamos um grave problema interno nas cadeias quando essa medida entrar em vigor, o passado já nos mostrou os efeitos deletérios de medidas dessa natureza, especialmente num país que prende muito, prende mal e possui um precário sistema penitenciário, só nos resta esperar e conferir os resultados, de uma coisa tenho certeza, em nada, absolutamente nada irá reduzir os índices de criminalidade no Brasil, provavelmente, trará efeitos desastrosos, até porque vai penaliza a maioria que nada tem a ver com o problema, assim como vai interrompe o processo de ressocialização, levando os detentos ao ócio no interior das cadeias e fomentará a indisciplina, já que o bom comportamento em nada mais irá ajudá-los a conquistar algum benefício. A verdade é uma só, temos que tratar os detentos de acordo com a gravidade dos delitos, isso já acontece, beneficiando quem de fato merece, agora medi-los todos pela mesma régua não parece ser a melhor política de segurança pública, principalmente quando temos uma crise no sistema penitenciário brasileiro.
O Impacto