Zenaldo Coutinho pode ser preso pelo caso do PSM do Guamá

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Se ficar comprovado que o prefeito de Belém ordenou a retirada de aparelho do hospital, ele pode pegar de 6 a 20 anos de prisão (Foto: Bruno Carachesti)

Na manhã da última quinta-feira (25), o prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, e o governador do Pará, Simão Jatene, fizeram festa para uma fictícia reabertura do Pronto-Socorro Municipal Mário Pinotti, o PSM da 14. Fictícia porque o local ainda não tem condições de funcionar. Em meio a sorrisos, discursos e aplausos de apadrinhados, Zenaldo e Jatene cortaram uma faixa em frente ao prédio, que está interditado desde junho do ano passado, quando foi acometido por um incêndio – o acidente acabou causando
a morte de 3 pessoas.

Enquanto prefeito e governador faziam festa, médicos, enfermeiros, atendentes e pacientes sofriam no outro Pronto-Socorro Municipal de Belém, o PSM do Guamá. Ali, o cenário era de caos total, como tem sido há muito tempo. Doentes espalhados por corredores. Salas lotadas de enfermos. Pessoas esperando horas para serem atendidas. Falta de equipamentos. E foi justamente esse ponto que se transformou na maior e mais pesada notícia dos últimos dias.

Para arrumar o PSM da 14 para apresentá-lo à imprensa, Zenaldo teria, segundo denúncias de médicos, mandado tirar um equipamento do hospital do Guamá e levar para o da 14. Sem esse aparelho, dois pacientes não puderam ser devidamente atendidos e vieram a falecer, na madrugada da própria quinta-feira. O assunto é tão grave, que já foi encaminhado ao Ministério Público Estadual (leia abaixo, à direita). Se a culpa do prefeito na morte dessas pessoas for comprovada, Zenaldo responderá pelo crime de homicídio doloso – quando há a intenção de matar ou o autor assume o risco de matar alguém -, com pena de 6 a 20 anos de prisão.

DA WEB À POLÍCIA

A denúncia do caso surgiu no WhatsApp, quando, às 21h02 da quarta-feira (24), um plantonista do PSM do Guamá postou uma foto da máquina, com a frase: “Na sala, havia um aparelho desses, que foi levado pra 14”. O aparelho em questão é o que os médicos e anestesistas chamam de “carrinho de anestesia”. “Sem ele, nenhum procedimento cirúrgico pode ser realizado, já que é utilizado para monitorar as funções vitais do paciente e mantê-lo anestesiado durante a operação”, diz um médico do PSM do Guamá,
ouvido pelo DIÁRIO.

Desesperados com a situação e temendo que outras mortes acontecessem em virtude da falta do aparelho, 6 médicos do hospital tiveram uma atitude corajosa e admirável (veja box abaixo). Às 10h da manhã da quinta-feira, foram à delegacia Seccional do Guamá, para registrar um Boletim de Ocorrência (B.O.). Na delegacia, eles foram ouvidos pela delegada Cristina do Socorro Capucho e pelo investigador José Maria Ribeiro, que registrou o B.O.

O documento (à dir.), ao qual o DIÁRIO teve acesso, foi registrado às 10h43 e retrata a angústia vivida pelos profissionais da saúde pública em Belém. Em determinado trecho, os médicos declaram: “… estamos com nove pacientes em estado grave, para se submeterem a tratamento cirúrgico de emergência, sem dispor de condições de trabalho, por falta de equipamento anestésico…”. Na tarde da quinta-feira, outro carrinho de anestesia foi enviado pela Prefeitura ao PSM do Guamá. Para as famílias dos dois pacientes que morreram, porém, já era tarde.

A coragem de fazer a coisa certa

Os médicos do PSM do Guamá que foram à delegacia denunciar a precariedade do atendimento no hospital tiveram uma atitude de coragem. E podem pagar caro por isso. Eles são Paulo Cezar Torres, Diego Uchôa, Maurício de Melo, Jader Barros, Francinaldo Sena e Luiz Cláudio Martins. Na reportagem sobre o assunto publicada na última sexta-feira (26), o DIÁRIO optou por não revelar os nomes dos médicos que fizeram a denúncia, para que eles não sofressem represálias por parte da Prefeitura de Belém, já que dois deles e um anestesista concederam entrevistas ao jornal.

Com a chegada do B.O. às mãos do prefeito Zenaldo – ele já teve acesso ao documento -, o jornal entendeu que não havia mais motivos para não publicar os nomes dos profissionais, que já estão se sentindo ameaçados. “Ouvimos comentários internos de que alguns de nós serão demitidos”, conta um médico. “Se um for demitido, todos entregaremos o cargo”.

Se isso acontecer, a situação no PSM do Guamá ficará ainda pior. Com 6 médicos a menos, a agonia dos pacientes e dos profissionais vai aumentar. “Infelizmente, esta é a forma de trabalhar do nosso prefeito: além de tomar atitudes equivocadas, ele ainda ameaça quem quer fazer as coisas direito”, destaca um anestesista. “Nós só queremos melhorar a qualidade do atendimento à população”.

Ministério Público vai investigar o caso

Ao ler a denúncia publicada pelo DIÁRIO na última sexta-feira (26), o procurador de Justiça Nelson Medrado, membro do Núcleo de Combate à Improbidade Administrativa e Corrupção do Ministério Público do Estado do Pará (MPE), pediu à delegacia do Guamá cópia do Boletim de Ocorrência feito pelos médicos do PSM. Ao DIÁRIO, Medrado informou que vai instaurar um novo procedimento para apurar as denúncias. Os médicos e profissionais de saúde que estavam no Guamá devem ser chamados para prestar informações. “Vamos analisar e ver quais as providências cabíveis”, disse o procurador.

O Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa) também entrou na luta para que tudo seja esclarecido. Coordenador do Sindmepa, João Gouveia classificou a denúncia de “gravíssima” e disse que a entidade pediu apuração ao MPE. “Esperamos que o órgão cumpra seu papel de apurar o assunto, que se trata de um caso de polícia”, disse Gouveia. “Esse episódio serviu para mostrar o que está acontecendo naquele hospital”.

A versão oficial (e confusa) da Prefeitura

Durante toda a quinta-feira, o DIÁRIO tentou contato com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), solicitando esclarecimento sobre a retirada de um carrinho de anestesia do PSM do Guamá para ser levado ao hospital da 14. O jornal não obteve retorno. Na manhã da sexta-feira, veículos ligados ao Governo do Estado e à Prefeitura divulgaram nota, em que a Sesma alegava que a máquina havia sido tirada do PSM do Guamá por ter apresentado “um problema”.

A versão não convenceu nem aos médicos nem aos demais servidores do hospital. Por diversos motivos. Primeiro: o carrinho de anestesia tirado do Guamá foi o que estava funcionando perfeitamente. “Temos duas máquinas no Guamá. Uma sempre dá problemas e a outra funciona muito bem”, diz o anestesista. “Eles levaram exatamente
a máquina boa”. Segundo: os funcionários do hospital estranharam a incrível coincidência de a máquina boa apresentar “um problema” justamente no dia da festa de reabertura do PSM da 14, que não poderia ser realizada sem um carrinho de anestesia na sala de cirurgia. Terceiro: na nota publicada nos veículos oficiais, a Prefeitura apenas diz que a máquina foi levada porque “precisou ser trocada”, mas não informa o nome da empresa que teria feito o serviço, nem os custos. Na sexta-feira, o DIÁRIO enviou e-mail à Sesma, solicitando essas duas informações e cópia da Ordem de Serviço (OS) da tal manutenção. Até a manhã deste sábado (27), a Sesma não deu retorno.

Fonte: Diário do Pará

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