MILTON CORRÊA

A AMAZÔNIA COMO CAMPO DE TRABALHO JORNALÍSTICO

Extraído http://blogmanueldutra.blogspot.com.br

Autor: Professor Doutor e Jornalista Manuel Dutra

O jornalista que vive e trabalha na Amazônia tem necessidade e obrigação de conhecer a região a fim de produzir a notícia a partir de dentro; temos que conhecer esta região tão falada no Brasil e no mundo e ser os primeiros a deter esse conhecimento. Assim podemos dar uma contribuição para a construção de uma nova sociedade, com mais autoestima, mais conhecimento de nós mesmos.

Este artigo é produto de notas para uma palestra que fiz, como convidado, no encontro anual da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – a Intercom, na sua versão Região Norte, na Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, em 8 de julho passado.

Fazer bom jornalismo na Amazônia é possível, desde que…

Fazer jornalismo na Amazônia, a rigor, não difere do fazer jornalístico em qualquer outro lugar – espaço social, cultural ou histórico. O jornalismo contemporâneo possui regras universais no que tange à procura, à investigação e apuração dos fatos e à produção da notícia.

Se quisermos identificar distinções, podemos apontar algumas particularidades que nos levam a refletir sobre: a) as condições de mobilidade física do repórter; b) o lugar de fala do profissional produtor do texto noticioso ou interpretativo; c) a especificidade de ser a Amazônia um espaço que atrai a atenção planetária; d) a profusão dos discursos sobre a região, ensejando a mutação de conceitos a depender de diferentes atores.

Tal como exige a elaboração de qualquer pauta, cumpre ao jornalista dispor do conhecimento prévio do fato/objeto a cobrir, sem o que ele terá dificuldades de produzir o novo.

O domínio do terreno

Vejamos item por item:

  1. a) Quando falamos da Amazônia vêm-nos logo à mente os velhos estereótipos a respeito de sua extensão física com as suas particularidades de “inferno e paraíso”, beleza e feiura, riqueza natural e pobreza humana. Nesse sentido, somos quase sempre levados a pré-conceber uma Amazônia lá, e não uma Amazônia aqui. Daqui surge também a fantasia da aventura, o jornalista embrenhando-se no emaranhado de “mistérios” de florestas e rios cheios de situações inesperadas.
  2. b) O lugar de fala do jornalista: não necessariamente o lugar físico, mas o lugar social, econômico, cultural e geopolítico. Há que se analisar, por exemplo, as reportagens feitas com pautas elaboradas nos suportes midiáticos hegemonicamente centralizados, como ocorre no Brasil, sendo nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro que se constroem as pautas que geram reportagens que serão emitidas nacionalmente. Então, qual a visão da Amazônia que brota dessas matérias? Ou quando as pautas são supostamente elaboradas localmente, pelas equipes das emissoras afiliadas das grandes redes, será que essas equipes locais não seguem a gramática das emissoras matrizes, terminando por pouco ou em nada diferir, nas suas visões e interpretações, daquelas pautas construídas nos centros hegemôni cos?
  3. c) A especificidade de ser a Amazônia um espaço que atrai a atenção planetária. Este é um dos desafios ao jornalista que cobre temáticas desta região. Mesmo o repórter residente e que vasculha o interior da região necessitará precaver-se diante do que testemunha e cobre, e indagar-se: o que eu estou testemunhando e cobrindo tem como substrato uma visão local ou estou, consciente ou inconscientemente, repercutindo pontos de vista externos à região? Estou falando ou escrevendo para o leitor/espectador/ouvinte sobre a Amazônia tal qual a percebo e conheço ou, imaginando estar assim procedendo, na verdade estou dando visibilidade a temas e interpretações externas, sem o necessário senso crítico ao senso comum e ao imaginário distorcidos, construídos desde os cronistas da c olonização?
  4. d) A profusão dos discursos sobre a região, ensejando a mutação de conceitos a depender de diferentes atores, conforme as suas ideologias, interesses ou desinformação. Vejamos este ponto com mais detalhes:

A cobertura de fatos categorizados como “amazônicos” pressupõe que o repórter já esteja de posse do conhecimento estabelecido sobre a região: a sua extensão, a sua formação histórica, os seus aspectos naturais, os povos aqui habitantes, enfim, penetrar na busca do novo pressupõe o domínio do conhecimento preexistente.

Assim como se faz indispensável o domínio sobre os aspectos físicos, indispensável também é o conhecimento das formações discursivas que, ao longo dos séculos até os dias atuais construíram e constroem uma “Amazônia” que impregna o imaginário coletivo, dando origem a um senso comum que tende a se tornar presente no texto jornalístico, seja no jornal/papel, nas revistas, na televisão ou nos ambientes digitais. Estes, da mesma forma como os demais suportes midiáticos, chamados de novas tecnologias, repetem e reforçam estereótipos tão antigos.

Podemos afirmar que o termo Amazônia seja uma palavra caleidoscópica, que transporta os sentidos de um espaço histórico sobre o qual se produziram os mais diversos tipos de sentidos e que hoje se torna objeto de intensa disputa travada pela multidão de atores que buscam, de diferentes posições, dar a sua definição, como que a última palavra sobre o que consideram o real significado desta região. Na introdução de meu livro intitulado ‘A natureza da mídia’, está escrito:

“Distinta entre outros lugares, a Amazônia, como enunciado catalisador de múltiplos discursos, mantém e realça fragmentos daqueles sentidos que podemos considerar como fundadores dos relatos das descobertas, produtos e produtores de uma polarização instituída por práticas discursivas que estabelecem uma lógica dicotômica que dá visibilidade aos recursos naturais e, no mesmo processo, promove a invisibilidade humana. No interior dessa bipolaridade se estabelece como que um campo discursivo no interior do qual se torna presente a disputa e se fabricam novos sentidos.

Ao lado de uma Amazônia urbana e moderna subsistem outras Amazônias singulares e dotadas de traços específicos que as tornam frequentes itens de pauta da mídia. A Amazônia, entendida como espaço físico-geográfico e humano, não constitui algo homogêneo nem um vazio. Aqui sobrevivem grupos aos quais a mídia, com frequência, chama de “povos da floresta”, às vezes “povos da Amazônia”, para os quais torna-se familiar a presença de antenas parabólicas, sucedâneas do rádio, tornando presentes, no lugar, realidades do mundo contemporâneo”.

Percebe-se que a Amazônia é tanto urbana como não urbana, no entanto, é esta última característica que se sobressai nas reportagens: as chamadas pautas nacionais sobre a região raramente revelam o seu lado contemporâneo, detendo-se nos seus aspectos naturais, até contrapondo cultura e natureza, como se a região fosse apenas natureza e não também cultura. Ou, ao mesmo tempo, refazendo à exaustão, a produção de imagens mostrando os povos originários como congelados no tempo, ou “povos sem história”, como diz Eric Wolf em seu livro “Europa e la gente sin história”.

O debate ambiental, palavras em mutação

Um dos grandes desafios do jornalista quanto às temáticas amazônicas é a cobertura do chamado debate ambiental. Para tanto, ele deve possuir algo mais do que o conhecimento comum sobre a terminologia usual, uma vez que são termos que carregam múltiplos sentidos. Por exemplo, o que vem a ser “desenvolvimento sustentável” para o militante da Ong ambiental, ou para o assessor de imprensa da Vale, ou para o pesquisador, ou para a pessoa de média instrução? Há um inventário realizado pelo sociólogo ambiental Michael Redclift, do King’s College London, em que ele encontrou nada menos do que cem significados para “desenvolvimento sustentável”. Este autor publicou um livro cujo título já reflete essa multiplicidade, incluindo as contradições destes dois termos: “Sustain able development: exploring the contradictions”.

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