Brasil tem terceira piora seguida em indicador de combate à corrupção

A pesquisa leva em conta fatores independência dos órgãos de investigação e a qualidade da relação entre os Poderes em cada país pesquisado, e mede a capacidade de detectar, punir e prevenir a corrupção.

O Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC) é produzido pelas entidades Americas Society/Council of the Americas, um fórum norte-americano de debate sobre questões políticas, sociais e econômicas na América Latina, no Caribe e no Canadá, e Control Risks, uma consultoria global especializada em gestão de riscos, e está sendo divulgado nesta quarta-feira (22/6).

No ranking detalhado, o Brasil aparece acima da média em “acesso à informação pública e transparência geral do governo” e na “independência e recursos para o Ministério Público e investigadores”; mas abaixo em itens como “qualidade e cumprimento da legislação de financiamento de campanha” e “processos legislativos e normativos”.

A piora nos processos legislativos se deve, de acordo com a pesquisa, à distribuição de verbas do Orçamento da União a parlamentares aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) “de forma não totalmente transparente”. Ou seja, o orçamento secreto, que distribuiu R$ 16 bilhões só em 2021 e financiou repasses para a compra de tratores e caminhões de lixo superfaturados por prefeituras Brasil afora, por exemplo.

A variável na qual o Brasil mais piorou, porém, foi a que avalia a independência e a eficiência das agências anticorrupção, que caiu quase 19%, “já que Bolsonaro procurou consolidar o controle sobre os órgãos que investigam supostos casos de corrupção envolvendo seus aliados”, registra o texto.

“Autoridades de dentro da Polícia Federal transferiram funcionários que estavam conduzindo estas investigações, e Bolsonaro nomeou seus aliados do Ministério Público Federal e outros órgãos para substituí-los. Agências anticorrupção independentes, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), sofreram cortes orçamentários, limitando sua capacidade de investigação e supervisão”, exemplifica o relatório.

Em entrevista ao Metrópoles, Mario Braga, analista sênior da Control Risks para o Brasil, afirmou que “a deterioração da capacidade do Brasil de combater a corrupção se traduz em riscos maiores que esquemas de desvio de recursos públicos sejam adotados e/ou se perpetuam em diferentes níveis de governo” – local, estadual e federal. “A consequência prática deste cenário é que parte dos recursos já escassos dos orçamentos públicos não sejam direcionados para investimentos em educação, saúde ou saneamento, por exemplo.”

O ranking

O Uruguai é o país com a pontuação mais alta do Índice CCC 2022 (7,42/10), ou seja a maior capacidade de detectar, punir e prevenir a corrupção. O nosso vizinho ao sul foi seguido por Costa Rica (7,11), Chile (6,88), Peru (5,66), República Dominicana (5,19), Argentina (5,04), Panamá (4,96), Colômbia (4,87), Equador (4,82), Brasil (4,76), Paraguai (4,45), México (4,05), Guatemala (3,38), Bolívia (2,57) e Venezuela (1,63).

Os autores notaram que alguns países demonstraram melhoras, enquanto outros, incluindo os dois maiores países da região, México e Brasil, viram novos retrocessos nas principais instituições e no ambiente anticorrupção em geral. No continente, na média, houve relativa estabilidade nos esforços anticorrupção após anos de retrocessos mais generalizados.

Veja o ranking:

Divulgação
Índice de Capacidade de Combate à Corrupção (CCC) produzido pelas entidades Americas Society/Council of the Americas, um fórum de debate sobre questões políticas, sociais e econômicas na América Latina, no Caribe e no Canadá, e Control Risks

Os analistas registram que o fato de Brasil e México serem destaques negativos demonstram que retrocessos no combate à corrupção não têm ligação direta com ideologia política, já que o presidente brasileiro se identifica como conservador de direita e o chefe do Executivo mexicano, Manuel López Obrador, é de esquerda.

“Entre os fatores que nos permitem medir a capacidade de um país de combater a corrupção estão a independência do Judiciário, da mídia e de agências de fiscalização e controle, a transparência em atos do governo e a natureza da sua relação com o legislativo, cooperação internacional em esforços anti-corrupção e a mobilização da sociedade civil, por exemplo. São fatores estruturais e sociais que não tem ligação direta com governos específicos – ou com a ideologia deles”, analisa Mario Braga.

Eleição definirá futuro do combate à corrupção

Para os autores da pesquisa, é pouco provável que reformas anticorrupção ocorram no Brasil antes das eleições de outubro.

“Os eleitores estão mais focados na inflação, no desemprego e na queda nos padrões de vida do que em ações de combate à corrupção”, diz o relatório. “Os candidatos farão uso da retórica anticorrupção para criticar seus adversários, mas essa mensagem pode não ter o mesmo peso entre o eleitorado que o visto em 2018”, completa o texto, que prevê ainda que “o resultado das eleições terá um impacto decisivo na capacidade do Brasil de combater a corrupção nos próximos anos”.

Na conversa com o Metrópoles, o analista Mario Braga afirmou que a capacidade do Brasil de combater a corrupção “vem caindo nos últimos quatro anos em meio à forma como o atual governo lida com temas como a influência do Executivo sobre agências de investigação e controle e nas relações com o Congresso para formação de uma coalizão de apoio, por exemplo”.

Para o analista, “em um eventual segundo mandato, avaliamos ser provável que tais práticas continuem a ser adotadas, o que implicaria em uma continuidade no processo de declínio da capacidade do país de combater a corrupção.”

Caso Bolsonaro perca a eleição para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém, o analista vê uma possibilidade, “mas não uma garantia”, de que a interferência seja “substituída por decisões que garantam mais independência a órgãos como a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal ou por relações mais transparentes entre o Executivo e o Legislativo, por exemplo”.

“No entanto, é importante destacar que fatores estruturais permanecerão como limitantes para a capacidade do país de combater a corrupção independentemente de quem seja eleito presidente em outubro”, diz o analista da Control Risk. “Entre estes pontos estão a falta de uma regulação adequada para a prática de lobby e financiamento de campanhas, a fragmentação do sistema partidário, a falta de coerência ideológica entre as siglas e mecanismos que acabam por alimentar a impunidade, como ampla imunidade parlamentar”, completa ele.

“Portanto, mais do que uma mudança de governo, o Brasil precisaria de mudanças no sistema político e na relação entre diferentes atores do setor público e destes como o setor privado para aumentar sua capacidade de combater a corrupção”, conclui o analista.

Fonte: Metrópoles

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